BECO DO FALA-SÓ
Autor:Camara Lima (J. David Airada)
com um prefacio de Anthero de
Figueiredo
Edição: Portugal-Brasil Lda. Sociedade Editora
1ª Edição (Única) 1919
Páginas: 352
Dimensões: 190x125 mm
Exemplar amarelecido pelo tempo.
Capa e folha de guarda com ligeiros
danos, miolo integro ,sem rasgos.
Livro raríssimo.
PREÇO: 46.00€
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A CENSURA NOVA E A
VELHA
Peço licença para não
fazer côro com os meus collegas da imprensa que se estão insurgindo contra a
censura. Comprehendo perfeitamente a sua indignação, porque já a senti, quando
ainda não ha muito era absolutamente prohibido chamar commendador ao sr. dr.
Affonso Costa e dizer que o sr. Bernardino Machado era muito engraçadinho com
as sobrancelhas de azeviche sobre a bigodeira branca.
Mas a experiencia é a
mestra da vida e a experiencia demonstrou-me que a censura é uma instituição
utilissima, capaz de nos salvar no maior dos apuros. Falo por experiencia
propria. Se alguma coisa tenho a exprobar á actual censura é a sua brandura, a
sua attitude passa-culpas e vista grossa, a parcimonia com que usa da tinta
encarnada. Afinal para isto que se está vendo não valia a pena ressuscital-a.
A outra, sim. A outra era censura a
valer, tesa e crespa, d'antes quebrar que torcer. Cortava artigos de lés a lés,
como quem corta manteiga. Não estava com meias medidas. E quanto mais a
descompunham, bumba! mais ella cortava.
Em compensação, tínha o seu lado bom,
a censura da republica velha: era muito capaz de fazer um favor e valer á gente
n'uma afflição. Eu que o diga.
A actual censura, não. Nem que uma pessoa
lhe peça de joelhos.
A Historia incorruptivel ainda ha-de rehabilitar
a censura velha, como é de justiça. Para essa rehabilitação quero eu
contribuir. Eé já.
Ouçam: Um bello dia eu tỉnha de
escrever, por força, esta secção. E não havia meio. Não me occorria nada, absolutamente
nada. Mil vezes moIhei a penna e a tive suspensa sobre o papel. Escreviam os
srs., que nada tinham com isso? Pois nem eu.
Comtudo era forçoso escrever fosse o que
fosse. Que fazer?
Subitamente tive uma idela luminosa. Não
gritel Eureka! mas disse com os meus botões: Ora espera que eu te arranjo!
E zás! Uma tremenda descompostura no
sr. Bernardino Machado, porque tendo a sua disposição o riquissimo coche de D.
João V.andava por ahi n'um simples coupe de Binder. E de chapeu de côco!
Era uma columna cerrada de prosa
exaltadissima, que terminava por esta phrase candente: «Nunca em Portugal se
desceu tanto!»
No dia immediato, mal acordei, pedi o jornal.
Ardia de curiosidade... Estava salvo ! A censura cortara tudo, deixando apenas
o titulo da secção e a assignatura.
N'esse dia percorri Lisboa de cabo a
rabo. Foi um successo.
—Olhe lá, que escreveu você para o jornal de
hoje? A censura cortou tudo!
— Deixe-me cá, homem! Um desaforo, uma
pouca vergonha, uma infamia! Isto não se suporta!
— Era uma coisa interessante, hein ?
-Se era! Um artigo felicissimo, uma de estas coisas que a gente produz uma vez
na vida
D'ahl por deante, sempre que me via em apuros,
reproduzia o artigo, que lá ia á viola.
Outro successo.
Até que um dia a censura acabou. Não
se imagina o abalo que eu soffri. E o que soffro pensando que nunca mais
voltaremos aos antigos processos. Isto dá vontade de fugir para um sitio em que
se não veja senão... o sr. Affonso Costa!
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MULHERES POLICIAS.
Eu não li a recente reforma da policia. Como
não pretendo entrar para a corporação nem espero ser preso e também não me convenço
de que a minha rua venha a ser policiada, o diploma ultimamente promulgado não
me aqueceu nem arrefeceu. De modo que tive verdadeira surpreza hoje ao lêr em
uma folha do norte que a reforma de que se trata, permitte a admissão de
mulheres ao serviço policial
Nunca comprehendi exactamente a missão do
policia em Lisboa. Pelo que tenho visto, esses funccionarios destinam-se a
passear melancholicamente nas ruas da capital com as mãos nas costas e o nariz
no ar, como poetas a procura de rima. Contemplativo, de andar pesado, bem
armado, mas inoffensivo, o policia é o boi cítadino. Mal comparado, falta- lhe
só um fio de baba no queixo-e dar ao rabo.
Pessimamente pago e portanto pessimamente
alimentado, o infeliz tem ainda por cima de calcurriar por essas ruas 8 horas
nas 24 de cada dia, para fazer o chylo de... 150 grammas de fava rica.
Não ha situação menos invejavel, tanto
mais que os ossos d'este officio foram agora acrescidos com o contrapeso de uma
carabina ao hombro.
Eu creio piamente que, terminada a
guerra, não ficarão na corporação duas duzias dos guardas existentes e que será
necessario crear uma policia provisoria para prender gente para a policia
effectiva.
Foi talvez por prever esta
circumstancia que o legislador se lembrou de admittir muIheres ao serviço
policial. A ideia é boa e por isso attribuivel ao sr. Machado Santos, que na
resolução dos embaraços nacionaes tem sido o efficaz citrato de magnesia do
governo.
A ver vamos os resultados da medida, que, além
de tudo, serão galantes. Evidentemente, as mulheres policias continuarão, como
quando simples particulares, a prender os homens... pelos seus encantos. Uma
simples piscadela d'olho será mais efficaz do que o ande lá p'ra deante do actual
civico. O mais turbulento rufia não se negará a seguir a auctoridade, quando
esta com o melhor dos seus sorri- sos lhe disser:-«Vens d'ahi, oh menino!»
Nas ruas serão frequentes os episodios
curiosos.
— Oh senhora policia, faz-me um favor
?
— Pois não, cavalheiro !
— Prende-me? –
— Da melhor vontade o faria se não
estivesse compromettida. Mas estou á espera d'um criminoso que é mesmo os meus
peccados.
— Ora, que demonio !
— Mas se o sr. tem muita urgencia de
ser preso, vae alli abaixo ter com a minha collega 1375, que entrou agora de
quarto e está á esquina da rua do Carmo. Diga-lhe mesmo que fallou commigo. — E
ella... prender-me-ha ?
— Ora, ora... Aquillo é uma féra para
os delinquentes... –
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