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terça-feira, 10 de agosto de 2021

A GRANDE FAUNA SELVAGEM DE ANGOLA

A GRANDE FAUNA SELVAGEM DE ANGOLA

De S. Newton da Silva

Desenhos de João augusto Silva

Edição da Direcção Provincial dos Serviços de Veterinária

Luanda 1970

Páginas: 151

Fotos e desenhos: 41

Dimensões: 240x168 mm.

 

Exemplar em bom estado. Capa com ténues manchas por oxidação.

Miolo como novo.

 


 

 

 

Inventário ilustrado da Fauna Selvagem de Angola

 

 

ÍNDICE:

 INTRODUÇÃO

 Ordem PRIMATES Família CERCOPITHECIDAE Babuino ou Macaco-cão (Papio ursinus, Papio kindae).

 

Ordem CARNIVORA

Família CANIDAE Mabeco (Lycaon pictus) Raposa-orelhuda (Otocyon megalotis) Raposa-das-areias (Vulpes (Cynaloper) chama) Chacal-de-dorso-preto (Canis mesomelas). Chacal-de-flancos-raiados (Canis adustus)

 

Família VIVERRIDAE Civeta (Civettictis civetta) Famílla HYAENIDAE Hiena castanha (Hyaena brunnea Hiena malhada (Crocuta crocuta Família PROTELIDAE Prótele (Proteles cristatus)

 

Família MUSTELIDAE Lontra-de-pescoço-malhado (Lutra macullicolis) Lontra-sem-garras (Aonyx capensis)

 

Família FELIDAE Gato bravo cinzento (Felis lybica) Serval (Leptailurus serval) Serval (Leptailurus brachyura) Leopardo (Panthera pardu8) Leão (Panthera leo) Chita (Acinonyx jubatus) Caracal ou Lince africano (Caracal caracal)

 

Ordem TUBULIDENTATA

Família ORYCTEROPODIDAE Gimbo (Orycteropus afer) Ordem PROBOSCIDEA

Família ELEPHANTIDAE Elefante (Loxodonta africana)

 

Ordem SIRENIA

Família TRICHECHIDAE Manatim (Trichechus senegalensis)

 

Ordem PERISSODACTYLA

Familia RHINOCEROTIDAE. Rinoceronte preto (Diceros bicornia) Rinoceronte branco (Ceratotherium aimum)

Familia EQUIDAE Zebra-da-planicle (Equus burchelli) Zebra-da-montanha (Equus sebra hart mannae)

 

Ordem ARTIODACTYLA

Familia HIPPOPOTAMIDAE Hipopótamo (Hippopotamus amphibiua). Porco-bravo (Potamochoerua koiropotamus) Porco-de-verrugas (Phacochoerus aethiopicua)

Familla GIRAFFIDAE Girafa (Girafa camelopardalia) Familia BOVIDAE Subfamilla BOVINAE Pacassa (Syncerua nanus) Bufalo proto (Syncerus caffer)

Subfamilla HIPPOTRAGINAE Guelengue-do-deserto (Orya gazella) Palanca vermelha (Hippotragus equinus) Palanca preta do Sudeste (Hippotragus niger niger) Palanca preta gigante (Hippotragus niger variani)

Subfamilia ALCELAPHINAE Caumba (Alcelaphus caama) Tchicolocossi (Alcelaphus lichtensteini) Cacu (Damaliscus lunatus) Gnú (Connochaetes taurinus) .

Subfamilia REDUNCINAE Quissema (Kobus defassa penricei) Waterbuck comum (Kobus ellipsyprimnus) Songue (Kobus leche) Puku (Kobus vardoni) Nunce ou Sembo (Redunca arundinum)

Subfamilia TRAGELAPHINAE Gunga ou Céfo (Taurotragus oryx) Olongo ou Ungiro (Tragelaphus strepsiceros) Golungo (Tragelaphus scriptus) Sitatunga (Tragelaphus spekei)

Subfamilla CEPHALOPHINAE Bâmbl-de-dorso-amarelo (Cephalophus silvicultor) Cefalofo-de-banda-dorsal-negra (Cephalophus dorsalis) Cefalofo-de-fronte-negra (Cephalophus nigrifons). Seixa (Guevei caerula) Bambi comum (Sylvicapra grimmia)

Subfamilia ANTILOPINAE Cabra-de-leque (Antidorcas marsupialis angolensis) Impala-de-face-preta (Aepyceros melampus petersi) Impala vulgar (Aepyoeros melampus melampus) Subfamilia OREOTRAGINAE Cabra-das-pedras (Oreotragus oreotragus) Subfamilia RHYNCHOTRAGINAE Cachine (Rhynchotragus damarensis)

Subfamilia NEOTRAGINAE. Oribi (Ourebia ourebi) . Punja (Raphicerus campestris)

BIBLIOGRAFIA

 

 

INTRODUÇÃO

O trabalho que se apresenta ao público não pretende ser nem um tratado cientifico nem um simples guia do caçador.

 

O que vem a ser, então? No desejo e propósito de quem o escreveu, apenas um breve apontamento ou ligeira resenha destinada a encaminhar os primeiros passos de quantos - incluindo os caçadores – se interessam ou possam vir a interessar-se pelo estudo das espécies mais importantes da nossa fauna, dando-lhes resumida noticia das regiões que habitam, sua abundância ou raridade, caracteres morfológicos externos mais notáveis, seu lugar na nomenclatura zooológica, um pouco de tudo, enfim, que possa despertar-lhes a curiosidade e a vontade de vir a adquirir mais amplos conhecimentos sobre os grandes animais selvagens da nossa bela Província.

 

A expansão avassaladora, e tantas vezes incontrolada, da civiliza- ção; a explosão demográfica que avança em progressão geométrica aterradora; as pressões económicas incapazes de considerarem válidos outros princípios que não sejam os dos próprios interesses, quase sempre eivados do mais estreito materialismo, tudo tem concorrido e continua a concorrer para que, de forma trágica e irreversivel, se vão alterando e reduzindo, ano após ano, dia após dia, as áreas em que a Natureza consegue ainda manter os seus direitos e o seu equilíbrio.

 

Tempos se aproximam, velozmente, em que os últimos exemplares de um grande número das espécies mais nobres e importantes apenas subsistirão em parques e reservas eficazmente defendidos e nos raros jardins zoológicos eficientemente organizados para assegurarem a sua reprodução em cativeiro. Por enquanto - mas durante quanto tempo? - ainda vai sendo possível e admissível a caça de muitas espécies. Os condicionalismos, as regulamentações, as restrições ao eercicio desse desporto vão-se tornando, porém, cada vez mais apertados, e a lista das

espécies gozando de total protecção alonga-se sem cessar. Este é já . panorama que se apresenta em muitos países, sobretudo nos mais povoados e desenvolvidos, mas será, em breve e sem excepção, o de toda a superfície do planeta.

 

Por hereditariedade biológica, parece que o instinto de destruição se encontra profundamente arreigado no homem e não se vislumbra, nas brumas do Futuro, a idade áurea em que esse instinto, ou pela educação ou pela força das circunstâncias, se atenue ou venha a ser acorrentado, Vislumbra-se, sim, a época bem próxima em que o homem só poderá continuar a destruir-se a si próprio, por não dispor de outros seres vivos que lhe permitam satisfazer a sua ganância ou o simples prazer de matar.

 

 Enquanto o gosto e o interesse da grande massa do nosso público pelos assuntos de história natural não atingirem o grau que já alcançaram nalguns países, não há dúvida de que, entre nós, continuarão a ser os caçadores quem, com maior frequência, se encontrará em contacto com as espécies mais representativas da fauna angolana e melhores oportunidades terá para a sua observação. No entanto, e embora incipiente, começa já a desenhar-se, por parte de algum público «não caçador» um certo interesse pelos parques nacionais, sobretudo os da Quiçama, Bikuári e Iona, onde lhe é permitido gozar o espectáculo, sempre deslumbrante, das espécies maiores em plena liberdade e acção. Estamos convictos de que esse interesse se irá acentuando cada vez mais e esperançados em que este pequeno trabalho possa vir a ser útil, a uns e a outros, para um primeiro conhecimento e compreensão da grande vida selvagem da terra em que vivemos.

 

A chamada «literatura cinegética», narrativa de feitos e proezas de caça, ilustrada com muitas fotografias de animais mortos, passou inteiramente de moda. Em vez dela, surgem por toda a parte os livros e os artigos de revista em que a descrição de hecatombes e morticínios é substituida - felizmente substituída – pela dos costumes, das peculiaridades, dos hábitos alimentares, da procriação, das transumâncias, de tudo, enfim, quanto diz respeito à vida e não à morte das espécies selvagens.

 

Para esta mudança quase radical tem contribuído poderosamente o movimento internacional de protecção da Natureza, dia a dia mais forte e de maior expressão, e o extraordinário incremento alcançado pela caça-fotográfica. Já é raro - e começa a ser vergonhoso – publicarem-se fotografias de animais mortos. Em vez delas, de há anos para cu, a cada passo topamos com imagens de animais selvagens em liberdade, algumas constituindo verdadeiras obras de arte e demonstrações de pericia, de paciência e de coragem que de longe ultrapassam o valor de qual- quer tiro mortal. Para se ser um grande caçador e um extraordinárioconhecedor da fauna, não é preciso ter espingarda nem saber atirar. C. A. W. Guggisberg, um cientista de Nairobi, escreveu um livro intitulado «Simba» que é simultaneamente um tratado fundamental e definitivo sobre a vida dos leões e um repositório de dezenas de magníficas fotogra- fias do rei dos carnívoros, tiradas nas mais variadas circunstâncias. No entanto, esse livro abre com as seguintes palavras: «Antes de começar, permitam-me que confesse: nunca matei um leão».

 

 Só se ama nquilo que se conhece. É muito vulgar o caso do caçador que ao fim de alguns anos quase põe de lado a caçadeira ou a carabina, para se contentar, as mais das vezes, em observar ou fotografar os bichos que habitualmente abatia. Também não é raro o caso do «não caçador que só começa a mostrar algum interesse pelos animais selvagens depois de saber distingui-los, dar-lhes um nome e poder arrumá-los, dentro do espírito, numa determinada categoria. Deixaram de ser completamente desconhecidos, simples bichezas anónimas, e isso será muitas vezes o suficiente para despertar a curiosidade e o desejo de sobre eles vir a saber muito mais. Devemos confessar aqui a nossa secreta esperança de que este trabalho, despertando o interesse de uns tantos leitores, os leve, com o tempo, a conhecerem melhor a grande variedade e riqueza da nossa fauna, e que esse conhecimento venha um dia a transformar-se no amor de que ela tão necessitada está para sobreviver.

 

As características físicas externas dos animais de uma espécie podem apresentar ligeiras diferenças não só de região para região mas até dentro do grupo. Peso, tamanho, coloração, desenvolvimento dos chifres ou das presas, muito embora obedecendo, para cada espécie ou um tipo geral, estão longe de constituir características estereotipadas. Algumas espécies existem mesmo que evidenciam uma acentuada tendência à variação individual. O listrado das zebras de Burchell e das zebras de Hartmann é inconfundível. Cada uma dessas espécies tem o seu «padrão» próprio, mas dentro de cada uma delas, é impossível descobrir dois exemplares com um listrado absolutamente igual.

 

Há ainda a notar que muitos animais mudam sensivelmente o tom da pelagem com a idade – quando não com as estações, o que é mais frequente nas regiões frias do que nas quentes ser, individualmente, precoce ou tardia. Vem daqui uma certa imprecisão, na grande maioria dos autores, quanto à tonalidade geral atribuída à pelagem de muitos animais. Tomemos, por exemplo, o caso da palanca vulgar: os ingleses dão-lhe, invariàvelmente, o nome de «Roan Antelope», antilope ruão ou ruço; entre nós é conhecida por palanca vermelha, palanca cinzenta e até por palanca castanha. Já Selous, que foi um dos melhores observadores e um dos maiores conhecedores da grande fauna africana, escrevia que as palancas vulgares podem diferir consideravelmentemente de cor, encontrando-se exemplares de um acinzentado claro ou d. tonalidade acastanhada, ao pas8o que outros são avermelhados cinzento carregado, Além das variações individuais e regionais, complicadas pelas que haja que atribuir à idade do exemplar observado, na precisa apreciação e designação das tonalidades entra, como é óbvio, um factor extremamente falível que é o próprio observador, tanto mais sendo certo que, quando do estreito quadro das cores fundamentais do espectro se passa para o campo largo das cores secundárias ou compostas, a confusão e imprecisão são inevitáveis.

 

Peso, dimensõea, tamanho e desenvolvimento dos chifres ou das presas, tudo são caracteristicas que além de dependerem da idade, do sexo, do estado fiaioo, da variação individual, se aubordinam estreitamente às condições ccológicas do meio. Clima, vegetação, abundância ou escassez de dguas, de pastos e de presas, natureza dos solos, tudo tem marcante in/luência nos animais selvagens e dá origem a diferenças que, com rela- pão a algumas espécica, são tanto mais salientes quanto maior é o afas- tamento geográfico e a diversidade ecológica das regiões que habitam.

 

Os pesos que vulgarmente são indicados por muitos autores para 0s rinocerontes, os elefantes, os hipopótamos e outros animais de grande corpulência, só podem ser tomados como estimativos ou aprimorados. Alguns exemplares, decerto bem raros, que hajam sido pesados logo após o abate, constituem, sem dúvida, uma indicação valiosa, mas o resultado dessas pesagens não pode ser generalizado a toda a espécie.

 

Temos encontrado as mais variadas indicações quanto ao peso dos rinocerontes pretos e Rowland Ward, por exemplo, não podendo aplicar à ponderabilidade e corpulência da espécie os mesmos métodos de mensuração rigorosa que aplica ao tamanho dos chifres, diz, vaga e comodamente, que esse peso varia entre 1 e 1,5 toneladas e que a altura na espádua oscila entre 1,50 e 1,80 mts. No mundo dos rinocerontes e no de muitas outras espécies também há Buchas e Esticas, anões e gigantes.

 

Isto quanto ao físico. Quanto ao psíquico, são também por vezes muito marcadas as diferenças de temperamento e de comportamento de individuo para individuo, dentro de uma mesma espécie, sobretudo nalgumas delas, como os leões, os leopardos, os elefantes, os rinocerontes e os búfalos. A etologia, a parte da zoologia que se ocupa dos costumes dos bichos, está ainda nas primciras letras e a psicologia animal, essa, apenas balbucia.

 

Variam as opiniões dos grandes caçadores, dos que deixaram con- signadas em livro as suas memórias e as suas observações, sobre qual seja a espécie mais perigosa. Para uns é o leão, para outros o tigre; atri- buem muitos a coroa da ferocidade ao rinoceronte preto, mas não são poucos os que argumentam com a força e a inteligência do elefante para verem nele o adversário mais temivel; outros, ainda, concedem essa palma ao grande büfalo do Cabo, ou ao leopardo, um bicho geralmente mal disposto, capaz de ataques fulminantes. E natural que todos tenham razão, porque cada qual se baseia na sua cxperiência pessoal e em casO8 particulares em que as diversas cspécies, em dadas circunstâncias, tive- ram para com eles comportamentos diferentes dos que, em circunstâncias idênticas, foram observadas por outros caçadores.

 

É evidente que cada espécie tem um padrão mais ou menos uniforme de comportamento. Assim, por exemplo, é sabido que o rinoceronte branco pode ser tomado como modelo de mansidão cristā ao lado do seu congénere preto e que as palancas são capazes de se defenderem com uma energia e determinação que por completo falha nas gungas. No entanto, há leões que fogem e outros que atacam, bichos que se mostram traiçoeiros e outros que procedem com nobreza. A psique animal é um mistério indesvendável e por isso nunca saberemos quais as razões e as circunstâncias que determinam, em dado momento e num individuo de dada espécie, este ou aquele procedimento, esta ou aquela reacção.

 

 Todas as indicações que no decurso do nosso trabalho daremos ao leitor sobre características físicas, hábitos e comportamento das espécies maiores da fauna da Província, devem ser tomadas pelo que valem: simples indicações de ordem geral que caracterizam bem as diversas espécies mas não podem considerar-se regra absoluta e inviolável. A vida animal selvagem é tão rica, tão variada, tāo multiforme, e por isso mesmo ainda tão misteriosa, que na sua descrição apenas podemos ambicionar <aproximações».

 

O nosso trabalho limita-se aos mamiferos embora algumas espé: cies de outras classes zoológicas, como o crocodilo e o avestruz, se enqua- drem, legitimamente, dentro da designação de grande fauna selvagem. Limitando-nos aos mamiferos, e tão sòmente àqueles considerados «grandes», damos uma maior unidade à obrinha. Ficam de fora inúmeras cspécies, familias e até ordens inteiras, de minguado ou nenhum interesse para a maioria dos leitores. De resto, para delas nos ocuparmos, seriam extremamente reduzidos os nossos conhecimentos

 

O Distrito de Cabinda, situado numa zona do Continente completamente distinta, sob o ponto de vista zoogeográfico, do resto da Província, também não é abrangido neste trabalho. Explica-se, assim, que nenhuma referência se faça ao gorila e ao chimpanzé, espécies só existentes na floresta pluviosa do Maiombe. Dos primatas referiremos apenas o babuíno, único que, com excepção dos dois grandes antropóides acima referidos, pode ser considerado dentro do âmbito das espécies de que nos ocupamos.

 

De uma forma geral são ainda bastante incompletas as informações disponíveis sobre a distribuição das espécies animais, mesmo das mais importantes, por todo o vasto território da Província. Algumas expedições científicas, sobretudo estrangeiras, concentraram os seus trabalhos em determinadas zonas restritas e, mesmo nessas, a sua curta duração não permitiu uma prospecção integral. Citem-se, em abono da afirmação, Expedição Vernay de 1925, a Bapedição Phipps-Bradley de 1932 e as duas expedições do Museu de La-Chaux-de-Fonds chefiadas pelo Dr. Monard, que não conseguiram, qualquer delas, encontrar o cacu, animal averiguadamente abundante nas anharas do Alto Zambeze e ao qual vieram a ser feitas, nos respectivos relatórios, referências apenas baseadas em vagas informações.

 

É necessário, de resto, ter em linha de conta que, no respeitante à distribuição e relativa densidade das espécies o trabalho do  naturalista só pode cobrir completamente a totalidade de qualquer território se dispusesse de um grande número de observações fidedignas, fornecidas por um também não pequeno número de observadores idóneos. Ora, já cm 1935 o Dr. Monard esCrevia o seguinte:

 

«Um facto lamentável da História Natural de Angola é a escassez de dados concretos sobre a natureza, a distribuição e os hábitos da caça grossa. Os boers que foram os grandes destruidores da caça na Colónia, que exterminaram por completo o bifalo em muitas regiões do Sul e por toda a parte rarefizeram a fauna, não comunicaram as suas observações. Os caçadores portugueses, muito numerosos, contentam-se, por via de regra, em praticar o seu desporto e empregam, para designar as espécies, nomes indigenas (que variam de dialecto para dialecto) ou nomes de fantasia. Em geral não escrevem o relato das suas caçadas, ou quando  o fazem é em jornais e revistas que não entram na bibliografia cientifica, As suas observações ficam, desta forma, perdidas para o naturalista que não tem possibilidade de as localizar».

 

Procurámos reunir todas as indicações que nos foi possível sobre a distribuição das espécies principais no território da Província, juntando-lhes algumas de nossa própria observação. O quadro encontra-se bastante incompleto e refere-se, no caso de muitas espécies, a áreas vastissimas onde a sua distribuição será, necessàriamente, parcial ou fragmentada. Sổ um trabalho muito demorado e metódico de recolha de informações, abrangendo toda a Província, permitirá que esse quadro vá sendo pouco a pouco completado e venha a oferecer-nos um panorama seguro da distribuição das espécies em Angola.

 

A região da Província hoje melhor conhecida sob o ponto de vista biológico é o Distrito da Lunda, graças aos trabalhos do Dr. Barros Machado e de diversos especialistas estrangeiros, patrocinados pela Companhia de Diamantes de Angola e publicados pelos seus Serviços Culturais, sob a égide do Museu do Dundo. Notabilíssima contribuição acaba de surgir, da mesma fonte, com a publicação (1969) do último trabalho de Barros Machado «Mamíferos de Angola ainda não citados ou pouco conhecidos» no qual se encontra, além de outras, a primeira citação em literatura cientifica, para Angola, de nada menos de quatro antílopes: o Alcelaphus de Lichtenstein, o Puku, o Cefalofo-de-banda-doraal-negra e o Cefalofo-de-fronte-negra, além dos estudos mais completos até hoje publicados, com relação à nossa Província, sobre os babuínos e o Bâmbi- de-dorso-amarelo.

 

Também a Divisão de Zoologia do Instituto de Investigação Cientifica de Angola vem realizando, desde há anos, um trabalho beneditino de prospecção nos sectores da ornitologia e da mamologia. Angola, porém, é muito grande, muito elevado o número de espécies, e o labor do seu minucioso estudo e classificação há-de levar ainda bastante tempo até que os seus resultados possam ser condensados e trazidos ao conhecimento do público.

 

Procurámos recolher o maior número de nomes por que as diversas espécies são designadas nos vários dialectos da Provincia. No que respeita ao extremo Sul, a nossa principal fonte foi Shortridge que recolheu boa mancheia deles ao longo da fronteira, terrestre e fluvial, com o Sudoeste Africano, fronteira apenas geográfica que não étnica ou linguística. Ao Rev. Padre Carlos Estermann ficamos a dever não só a indicação de alguns nomes nativos mas também a correcção de outros e ainda a oferta de um exemplar do hoje bastante raro «Dicionário Olunyaneka-Português do Rev. Padre Bonnefoux.

 

Muitos dos nomes que vulgarmente se aplicam a diversas espécies da fauna da Província, e que hoje se podem dizer integrados na nossa Zingua, são de origem nativa e derivam deste ou daquele dialecto falado pelos povos de Angola, já que tais espécies só muito tarde vieram a ser conhecidas e para as mesmas não existiam nomes clássicos ou nomes já aplicados a formas animais estreitamente afins.

 

Com outras línguas civilizadas passa-se exatamente o mesmo, embora talvez em menor extensão. Assim, por exemplo, os ingleses dão ao Damaliscus lunatus, que nós designamos por cacu, o nome de <sassaby> ou <tsessebe> que é vocábulo de um dialecto bechuana. Outros nomes vulgares são «inventados» e variam consoante as características ou costu- mes do animal que mais feriram a atenção dos seus inventores. Assim,nós damos à famosa gazela do Deserto de Moçâmedes o nome de «cabra  -de-leques» que e refere à prega profunda, revertida de pêlos alvíssimos que o animal possui na garupa e que abre como um leque quando se encontra excitado e nos últimos momentos da agonia. Os ingleses, por seu lado designam-na por «springbuck», cabra-saltadora, pondo em relevo a  extraordinária faculdade de entremear de saltos a corrida e ainda a de os dar, por vezes, quase na vertical e de membros perfeitamente hirtos como se tivesse molas nos cascos que a fizessem ir para o ar de cada vez que toca no chão. Julgamos até haver quem pense que esta designação de «springbuck» significa coabra-de-molas» já que «spring» tanto se traduz por «salto» como por «mola».

 

Pelo que respeita a designações cientificas, adoptámos na maioria dos casos o critério da simples nomenclatura binomial, pondo de lado as designações subespecificas que, não raras vezes, são ainda objecto de controvérsia e bascadas tão sòmente no cstudo de um reduzido número de cxemplares, podendo até atribuir-se, com frequência, a meras varia- ções individuais. Ao tratar de algumas espécies daremos, no entanto, indicações quanto às subespécies ou raças geográficas a que hajam sido atribuidas ou possam atribuir-se os exemplares da nossa Provincia. Apenas para uma ou outra espécie abrimos cxcepção a esse critério, encabeçando as respectivas descrições com o nome científico até à subespécie em que se encontram classificadas, por não haver quaisquer dúvidas quanto à sua absoluta diferenciação racial.

 

Para aqueles dos nossos eventuais leitores que hajam esquecido ou se não encontrem familiarizados com os princípios da nomenclatura zoológica, tomamos a liberdade de lembrar que a mesma obedece, abrevia- damente, ao seguinte esquema:

Phylum

subphylum

Classe

Subclasse

Ordem

Subordem

Familia

Subfamilia

Género E

spécic

Subespécie

 

Exemplificando:

A palanca-real Hippotragus niger variani, pertence a:

Phylum dos Cordados

Subphylum dos Vertebrados

Classe dos Mamiferos

Subclasse dos Placentários

Ordem dos Artiodáctilos

Subordem dos Ruminantes

Família dos Bovideos

Subfamilia dos Hipotragineos

Género Hippotragus

Espécie niger

Subespécie variani.

O primeiro nome cientifico de um animal designa, portanto, o género, o segundo a espécie e o terceiro, quando indicado, a subespécie ou raça geográfica. Quando o terceiro nome é idêntico ao segundo, como, por exemplo, em Diceros bicornis bicornis, significa isso que se trata da forma típica ou seja a primeira que foi descrita. Alguns géneros dividem-se em subgéneros e estes são indicados entre parênteses como, por exemplo, em Vulpes (Cynalopex) chama.

 

Para finalizar, permitir-noss-emos aconselhar àqueles dos nossos eventuais e benévolos leitores que desejem ampliar os escassos conheci- mentos que este livro lhes proporcionará, a leitura e o estudo de duas obras: <The Mammals of South West Africas, de G. C. Shortridge, e eThe Mammals of South Africas de Austin Roberts, nas quais encontrarão farto manancial de informações sobre uma fauna em grande parte idêntica à de pelo menos a metade meridional de Angola.