Livro
do Português Errante + A Terceira Rosa
Autor:Manuel Alegre
Colecção:Frente e Verso
Editora:Dom Quixote
Ano de edição:2001
Formato:Bolso
Livro Duplo
Livro Duplo
Nº de Páginas:236
Tipo de capa:Capa mole
ISBN: 5605248092333
Preço:4.50€
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Crítica
Crítica
A Terceira Rosa - Manuel Alegre
Trata-se
de uma das raras obras em prosa deste que é um dos grandes poetas da língua
portuguesa. Neste livro, Manuel Alegre relata-nos uma sofrida história de amor,
entre Xavier e Cláudia, na fase final do Estado Novo português.
Os
encontros e desencontros, as euforias e os dramas da paixão vão acompanhando a
agonia de um regime pérfido mas moribundo que, no entanto, continua a dilacerar
vidas e almas. Xavier e Cláudia, divididos pelo fascismo, separados por mundos
opostos num mesmo mundo, vítimas dos outros mas também da insatisfação humana
que eles próprios representam no teatro da paixão.
Numa admirável, cuidada e emocionada prosa poética,
Alegre passeia pelas palavras enquanto nos guia pelos caminhos da solidão que o
amor não apaga. Um amor sem tempo, ou melhor, com um tempo que é desde sempre e
sem fim.
Fabulosa
a descrição dos mecanismos da paixão, que “passa e não passa”. Assim é o amor:
morre mas não morre. E um “também eu” que é frase de quem ama e se repete nesse
tempo que não acaba, nesse passar que não passa.
Uma
prosa escrita com ardor, sem artificialismo, apenas alma, apenas o som que vem
do peito. Sem descrições inúteis, que tantas vezes enfadam e destroem grandes
enredos. Trata-se da escrita mais pura e magnificamente simples que se pode
criar.
Dispensável,
talvez o estafado paralelismo entre o amor e os toiros de morte.
Genial,
talvez a leitura da alma humana que, de tanto amar, destrói. Xavier amou até à
exaustão.
Genial,
também, os caminhos paralelos do amor e da Liberdade; o 25 de Abril que nasceu
para não morrer, um amor que terminou sem morrer. A esperança que sobrevive,
Cláudia e a Liberdade, a eternidade das paixões. Cláudia que dizia a Xavier “eu
não quero morrer de ti” é, afinal, eterna.
Curioso
título do livro: referência a um belo poema de E. E. Cummings em que a rosa
vermelho-escura aparece como símbolo da morte:
(…)
If there are any heavens my mother will (all by herself) have
one. It will not be a pansy heaven nor
a fragile heaven of lilies-of-the-valley but
it will be a heaven of blackred roses
Crítica
Livro do Português Errante (Manuel Alegre)
Errante
pelo mundo onde caminha, mas também pelos meandros da sua jornada interior, o
sujeito poético destes poemas percorre, é certo, uma diversidade de ambientes e
de referências. De uma visão crítica da sociedade, ao lado mais pessoal e
introspectivo, passando pela visão dos mundos internos de quem escreve e de
quem imagina e pela vida enquanto capítulo de uma bíblia particular, os poemas
deste Livro do Português Errante têm ora a simplicidade que tudo diz em poucas
linhas, ora a complexidade de quem reflecte o mundo pelas palavras certas.
Cada
uma das partes deste livro estabelece para o conjunto uma divisão temática. Se
cada poema é, por si só, um texto completo onde a imagem que se pretende
transmitir surge na sua totalidade, há, contudo, uma presença maior, como que
uma imagem global mais ampla que resulta do conjunto de todas as partes. Isto
acontece em cada uma das partes, em que os vários poemas que constituem se
relacionam pelo elo comum do tema, mas também na globalidade do livro, em que a
ligação entre as várias partes se define numa visão mais ampla: a do mundo, com
todas as suas complexidades, visto pelos olhos do homem que vagueia.
As
palavras são simples, por vezes, mas a imagem resultante impressiona. Quer na
subtileza com que o retrato se insinua nalguns poemas, quer pelo tom mais
introspectivo noutros, quer ainda na forma como estes dois lados se conjugam. O
resultado, esse, é uma leitura fluída, com a medida certa de cada sentimento a
dar proximidade a poemas onde vive também o inesperado, mesmo quando poucas
linhas bastam para dar voz à alma do sujeito poético.
Cativantes
no ritmo e na fluidez das palavras e belos pelas imagens que transmitem, os
poemas deste livro definem bem a percepção de uma mente aberta ao mundo em
volta. Dos mais simples e breves aos que se estendem por uma visão mais ampla,
há em todos os textos deste Livro do Português Errante algo de bom para
descobrir. E, por isso mesmo, vale a pena ler.
POEMA DO PORTUGUÊS ERRANTE
Por um caminho à noite caminhava
caminhava de noite sem sentido
pela própria cadência era levado
caminhava movido por um ritmo
a música interior que mais ninguém
ouvia. Caminhava de noite e não sabia
sequer o rumo e o sentido. Nem
a rosa dos ventos e os pontos cardeais
nem Cruzeiro do Sul nem bússola nem estrela.
Caminhava por caminhar. Apenas
por um íntimo impulso um movimento
irreprimível do seu próprio pen-
samento. Ou nem sequer. Talvez não fosse
senão a própria marcha. Um corpo
avante. Um corpo em seu mistério caminhante
não mais que um corpo em marcha no caminho
ninguém sabe se certo se perdido.
E só se ouvia o som do seu arfar
e não havia aliás outro sentido
senão o de caminhar por caminhar. (