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sábado, 10 de outubro de 2020

BECO DO FALA-SÓ

BECO DO FALA-SÓ

Autor:Camara Lima (J. David Airada)

com um prefacio de Anthero de Figueiredo

Edição: Portugal-Brasil  Lda.  Sociedade Editora

1ª Edição (Única) 1919

Páginas: 352

Dimensões: 190x125 mm

 

Exemplar amarelecido pelo tempo. Capa  e folha de guarda com ligeiros danos, miolo integro ,sem rasgos.

Livro raríssimo.

 

PREÇO: 46.00€

 Como comprar

           

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A CENSURA NOVA E A VELHA

Peço licença para não fazer côro com os meus collegas da imprensa que se estão insurgindo contra a censura. Comprehendo perfeitamente a sua indignação, porque já a senti, quando ainda não ha muito era absolutamente prohibido chamar commendador ao sr. dr. Affonso Costa e dizer que o sr. Bernardino Machado era muito engraçadinho com as sobrancelhas de azeviche sobre a bigodeira branca.

Mas a experiencia é a mestra da vida e a experiencia demonstrou-me que a censura é uma instituição utilissima, capaz de nos salvar no maior dos apuros. Falo por experiencia propria. Se alguma coisa tenho a exprobar á actual censura é a sua brandura, a sua attitude passa-culpas e vista grossa, a parcimonia com que usa da tinta encarnada. Afinal para isto que se está vendo não valia a pena ressuscital-a.

A outra, sim. A outra era censura a valer, tesa e crespa, d'antes quebrar que torcer. Cortava artigos de lés a lés, como quem corta manteiga. Não estava com meias medidas. E quanto mais a descompunham, bumba! mais ella cortava.

Em compensação, tínha o seu lado bom, a censura da republica velha: era muito capaz de fazer um favor e valer á gente n'uma afflição. Eu que o diga.

A actual censura, não. Nem que uma pessoa lhe peça de joelhos.

 A Historia incorruptivel ainda ha-de rehabilitar a censura velha, como é de justiça. Para essa rehabilitação quero eu contribuir. Eé já.

Ouçam: Um bello dia eu tỉnha de escrever, por força, esta secção. E não havia meio. Não me occorria nada, absolutamente nada. Mil vezes moIhei a penna e a tive suspensa sobre o papel. Escreviam os srs., que nada tinham com isso? Pois nem eu.

 Comtudo era forçoso escrever fosse o que fosse. Que fazer?

 Subitamente tive uma idela luminosa. Não gritel Eureka! mas disse com os meus botões: Ora espera que eu te arranjo!

E zás! Uma tremenda descompostura no sr. Bernardino Machado, porque tendo a sua disposição o riquissimo coche de D. João V.andava por ahi n'um simples coupe de Binder. E de chapeu de côco!

Era uma columna cerrada de prosa exaltadissima, que terminava por esta phrase candente: «Nunca em Portugal se desceu tanto!»

 No dia immediato, mal acordei, pedi o jornal. Ardia de curiosidade... Estava salvo ! A censura cortara tudo, deixando apenas o titulo da secção e a assignatura.

N'esse dia percorri Lisboa de cabo a rabo. Foi um successo.

 —Olhe lá, que escreveu você para o jornal de hoje? A censura cortou tudo!

— Deixe-me cá, homem! Um desaforo, uma pouca vergonha, uma infamia! Isto não se suporta!

— Era uma coisa interessante, hein ? -Se era! Um artigo felicissimo, uma de estas coisas que a gente produz uma vez na vida

 D'ahl por deante, sempre que me via em apuros, reproduzia o artigo, que lá ia á viola.

Outro successo.

Até que um dia a censura acabou. Não se imagina o abalo que eu soffri. E o que soffro pensando que nunca mais voltaremos aos antigos processos. Isto dá vontade de fugir para um sitio em que se não veja senão... o sr. Affonso Costa!

 

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MULHERES POLICIAS.

 Eu não li a recente reforma da policia. Como não pretendo entrar para a corporação nem espero ser preso e também não me convenço de que a minha rua venha a ser policiada, o diploma ultimamente promulgado não me aqueceu nem arrefeceu. De modo que tive verdadeira surpreza hoje ao lêr em uma folha do norte que a reforma de que se trata, permitte a admissão de mulheres ao serviço policial

 Nunca comprehendi exactamente a missão do policia em Lisboa. Pelo que tenho visto, esses funccionarios destinam-se a passear melancholicamente nas ruas da capital com as mãos nas costas e o nariz no ar, como poetas a procura de rima. Contemplativo, de andar pesado, bem armado, mas inoffensivo, o policia é o boi cítadino. Mal comparado, falta- lhe só um fio de baba no queixo-e dar ao rabo.

Pessimamente pago e portanto pessimamente alimentado, o infeliz tem ainda por cima de calcurriar por essas ruas 8 horas nas 24 de cada dia, para fazer o chylo de... 150 grammas de fava rica.

Não ha situação menos invejavel, tanto mais que os ossos d'este officio foram agora acrescidos com o contrapeso de uma carabina ao hombro.

Eu creio piamente que, terminada a guerra, não ficarão na corporação duas duzias dos guardas existentes e que será necessario crear uma policia provisoria para prender gente para a policia effectiva.

Foi talvez por prever esta circumstancia que o legislador se lembrou de admittir muIheres ao serviço policial. A ideia é boa e por isso attribuivel ao sr. Machado Santos, que na resolução dos embaraços nacionaes tem sido o efficaz citrato de magnesia do governo.

 A ver vamos os resultados da medida, que, além de tudo, serão galantes. Evidentemente, as mulheres policias continuarão, como quando simples particulares, a prender os homens... pelos seus encantos. Uma simples piscadela d'olho será mais efficaz do que o ande lá p'ra deante do actual civico. O mais turbulento rufia não se negará a seguir a auctoridade, quando esta com o melhor dos seus sorri- sos lhe disser:-«Vens d'ahi, oh menino!»

Nas ruas serão frequentes os episodios curiosos.

— Oh senhora policia, faz-me um favor ?

— Pois não, cavalheiro !

— Prende-me? –

— Da melhor vontade o faria se não estivesse compromettida. Mas estou á espera d'um criminoso que é mesmo os meus peccados.

— Ora, que demonio !

— Mas se o sr. tem muita urgencia de ser preso, vae alli abaixo ter com a minha collega 1375, que entrou agora de quarto e está á esquina da rua do Carmo. Diga-lhe mesmo que fallou commigo. — E ella... prender-me-ha ?

— Ora, ora... Aquillo é uma féra para os delinquentes... –