A GRANDE FAUNA
SELVAGEM DE ANGOLA
De S. Newton da
Silva
Desenhos de
João augusto Silva
Edição da
Direcção Provincial dos Serviços de Veterinária
Luanda 1970
Páginas: 151
Fotos e
desenhos: 41
Dimensões:
240x168 mm.
Exemplar em bom
estado. Capa com ténues manchas por oxidação.
Miolo como novo.
Inventário
ilustrado da Fauna Selvagem de Angola
ÍNDICE:
INTRODUÇÃO
Ordem PRIMATES
Família CERCOPITHECIDAE Babuino ou Macaco-cão (Papio ursinus, Papio kindae).
Ordem CARNIVORA
Família CANIDAE Mabeco (Lycaon pictus) Raposa-orelhuda
(Otocyon megalotis) Raposa-das-areias (Vulpes (Cynaloper) chama) Chacal-de-dorso-preto
(Canis mesomelas). Chacal-de-flancos-raiados (Canis adustus)
Família VIVERRIDAE Civeta (Civettictis civetta)
Famílla HYAENIDAE Hiena castanha (Hyaena brunnea Hiena malhada (Crocuta crocuta
Família PROTELIDAE Prótele (Proteles cristatus)
Família MUSTELIDAE Lontra-de-pescoço-malhado (Lutra
macullicolis) Lontra-sem-garras (Aonyx capensis)
Família FELIDAE Gato bravo cinzento (Felis lybica)
Serval (Leptailurus serval) Serval (Leptailurus brachyura) Leopardo (Panthera
pardu8) Leão (Panthera leo) Chita (Acinonyx jubatus) Caracal ou Lince africano
(Caracal caracal)
Ordem TUBULIDENTATA
Família ORYCTEROPODIDAE Gimbo (Orycteropus afer) Ordem
PROBOSCIDEA
Família ELEPHANTIDAE Elefante (Loxodonta africana)
Ordem SIRENIA
Família TRICHECHIDAE Manatim (Trichechus senegalensis)
Ordem PERISSODACTYLA
Familia RHINOCEROTIDAE. Rinoceronte preto (Diceros
bicornia) Rinoceronte branco (Ceratotherium aimum)
Familia EQUIDAE Zebra-da-planicle (Equus burchelli)
Zebra-da-montanha (Equus sebra hart mannae)
Ordem ARTIODACTYLA
Familia HIPPOPOTAMIDAE Hipopótamo (Hippopotamus
amphibiua). Porco-bravo (Potamochoerua koiropotamus) Porco-de-verrugas
(Phacochoerus aethiopicua)
Familla GIRAFFIDAE Girafa (Girafa camelopardalia)
Familia BOVIDAE Subfamilla BOVINAE Pacassa (Syncerua nanus) Bufalo proto (Syncerus
caffer)
Subfamilla HIPPOTRAGINAE Guelengue-do-deserto (Orya
gazella) Palanca vermelha (Hippotragus equinus) Palanca preta do Sudeste
(Hippotragus niger niger) Palanca preta gigante (Hippotragus niger variani)
Subfamilia ALCELAPHINAE Caumba (Alcelaphus caama)
Tchicolocossi (Alcelaphus lichtensteini) Cacu (Damaliscus lunatus) Gnú
(Connochaetes taurinus) .
Subfamilia REDUNCINAE Quissema (Kobus defassa
penricei) Waterbuck comum (Kobus ellipsyprimnus) Songue (Kobus leche) Puku
(Kobus vardoni) Nunce ou Sembo (Redunca arundinum)
Subfamilia TRAGELAPHINAE Gunga ou Céfo (Taurotragus
oryx) Olongo ou Ungiro (Tragelaphus strepsiceros) Golungo (Tragelaphus
scriptus) Sitatunga (Tragelaphus spekei)
Subfamilla CEPHALOPHINAE Bâmbl-de-dorso-amarelo
(Cephalophus silvicultor) Cefalofo-de-banda-dorsal-negra (Cephalophus dorsalis)
Cefalofo-de-fronte-negra (Cephalophus nigrifons). Seixa (Guevei caerula) Bambi
comum (Sylvicapra grimmia)
Subfamilia ANTILOPINAE Cabra-de-leque (Antidorcas
marsupialis angolensis) Impala-de-face-preta (Aepyceros melampus petersi)
Impala vulgar (Aepyoeros melampus melampus) Subfamilia OREOTRAGINAE
Cabra-das-pedras (Oreotragus oreotragus) Subfamilia RHYNCHOTRAGINAE Cachine
(Rhynchotragus damarensis)
Subfamilia NEOTRAGINAE. Oribi (Ourebia ourebi) . Punja
(Raphicerus campestris)
BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
O trabalho que se apresenta ao público não pretende
ser nem um tratado cientifico nem um simples guia do caçador.
O que vem a ser, então? No desejo e propósito de quem
o escreveu, apenas um breve apontamento ou ligeira resenha destinada a
encaminhar os primeiros passos de quantos - incluindo os caçadores – se
interessam ou possam vir a interessar-se pelo estudo das espécies mais
importantes da nossa fauna, dando-lhes resumida noticia das regiões que habitam,
sua abundância ou raridade, caracteres morfológicos externos mais notáveis, seu
lugar na nomenclatura zooológica, um pouco de tudo, enfim, que possa
despertar-lhes a curiosidade e a vontade de vir a adquirir mais amplos
conhecimentos sobre os grandes animais selvagens da nossa bela Província.
A expansão avassaladora, e tantas vezes incontrolada,
da civiliza- ção; a explosão demográfica que avança em progressão geométrica
aterradora; as pressões económicas incapazes de considerarem válidos outros princípios
que não sejam os dos próprios interesses, quase sempre eivados do mais estreito
materialismo, tudo tem concorrido e continua a concorrer para que, de forma
trágica e irreversivel, se vão alterando e reduzindo, ano após ano, dia após
dia, as áreas em que a Natureza consegue ainda manter os seus direitos e o seu equilíbrio.
Tempos se aproximam, velozmente, em que os últimos
exemplares de um grande número das espécies mais nobres e importantes apenas
subsistirão em parques e reservas eficazmente defendidos e nos raros jardins
zoológicos eficientemente organizados para assegurarem a sua reprodução em
cativeiro. Por enquanto - mas durante quanto tempo? - ainda vai sendo possível
e admissível a caça de muitas espécies. Os condicionalismos, as
regulamentações, as restrições ao eercicio desse desporto vão-se tornando,
porém, cada vez mais apertados, e a lista das
espécies gozando de total protecção alonga-se sem
cessar. Este é já . panorama que se apresenta em muitos países, sobretudo nos
mais povoados e desenvolvidos, mas será, em breve e sem excepção, o de toda a superfície
do planeta.
Por hereditariedade biológica, parece que o instinto
de destruição se encontra profundamente arreigado no homem e não se vislumbra,
nas brumas do Futuro, a idade áurea em que esse instinto, ou pela educação ou
pela força das circunstâncias, se atenue ou venha a ser acorrentado,
Vislumbra-se, sim, a época bem próxima em que o homem só poderá continuar a
destruir-se a si próprio, por não dispor de outros seres vivos que lhe permitam
satisfazer a sua ganância ou o simples prazer de matar.
Enquanto o
gosto e o interesse da grande massa do nosso público pelos assuntos de história
natural não atingirem o grau que já alcançaram nalguns países, não há dúvida de
que, entre nós, continuarão a ser os caçadores quem, com maior frequência, se
encontrará em contacto com as espécies mais representativas da fauna angolana e
melhores oportunidades terá para a sua observação. No entanto, e embora
incipiente, começa já a desenhar-se, por parte de algum público «não caçador»
um certo interesse pelos parques nacionais, sobretudo os da Quiçama, Bikuári e
Iona, onde lhe é permitido gozar o espectáculo, sempre deslumbrante, das
espécies maiores em plena liberdade e acção. Estamos convictos de que esse
interesse se irá acentuando cada vez mais e esperançados em que este pequeno
trabalho possa vir a ser útil, a uns e a outros, para um primeiro conhecimento
e compreensão da grande vida selvagem da terra em que vivemos.
A chamada «literatura cinegética», narrativa de feitos
e proezas de caça, ilustrada com muitas fotografias de animais mortos, passou
inteiramente de moda. Em vez dela, surgem por toda a parte os livros e os
artigos de revista em que a descrição de hecatombes e morticínios é substituida
- felizmente substituída – pela dos costumes, das peculiaridades, dos hábitos
alimentares, da procriação, das transumâncias, de tudo, enfim, quanto diz
respeito à vida e não à morte das espécies selvagens.
Para esta mudança quase radical tem contribuído poderosamente
o movimento internacional de protecção da Natureza, dia a dia mais forte e de
maior expressão, e o extraordinário incremento alcançado pela caça-fotográfica.
Já é raro - e começa a ser vergonhoso – publicarem-se fotografias de animais
mortos. Em vez delas, de há anos para cu, a cada passo topamos com imagens de
animais selvagens em liberdade, algumas constituindo verdadeiras obras de arte
e demonstrações de pericia, de paciência e de coragem que de longe ultrapassam
o valor de qual- quer tiro mortal. Para se ser um grande caçador e um extraordinárioconhecedor
da fauna, não é preciso ter espingarda nem saber atirar. C. A. W. Guggisberg,
um cientista de Nairobi, escreveu um livro intitulado «Simba» que é simultaneamente
um tratado fundamental e definitivo sobre a vida dos leões e um repositório de
dezenas de magníficas fotogra- fias do rei dos carnívoros, tiradas nas mais
variadas circunstâncias. No entanto, esse livro abre com as seguintes palavras:
«Antes de começar, permitam-me que confesse: nunca matei um leão».
Só se ama
nquilo que se conhece. É muito vulgar o caso do caçador que ao fim de alguns
anos quase põe de lado a caçadeira ou a carabina, para se contentar, as mais
das vezes, em observar ou fotografar os bichos que habitualmente abatia. Também
não é raro o caso do «não caçador que só começa a mostrar algum interesse pelos
animais selvagens depois de saber distingui-los, dar-lhes um nome e poder
arrumá-los, dentro do espírito, numa determinada categoria. Deixaram de ser
completamente desconhecidos, simples bichezas anónimas, e isso será muitas
vezes o suficiente para despertar a curiosidade e o desejo de sobre eles vir a
saber muito mais. Devemos confessar aqui a nossa secreta esperança de que este
trabalho, despertando o interesse de uns tantos leitores, os leve, com o tempo,
a conhecerem melhor a grande variedade e riqueza da nossa fauna, e que esse
conhecimento venha um dia a transformar-se no amor de que ela tão necessitada
está para sobreviver.
As características físicas externas dos animais de uma
espécie podem apresentar ligeiras diferenças não só de região para região mas
até dentro do grupo. Peso, tamanho, coloração, desenvolvimento dos chifres ou
das presas, muito embora obedecendo, para cada espécie ou um tipo geral, estão longe
de constituir características estereotipadas. Algumas espécies existem mesmo
que evidenciam uma acentuada tendência à variação individual. O listrado das
zebras de Burchell e das zebras de Hartmann é inconfundível. Cada uma dessas
espécies tem o seu «padrão» próprio, mas dentro de cada uma delas, é impossível
descobrir dois exemplares com um listrado absolutamente igual.
Há ainda a notar que muitos animais mudam
sensivelmente o tom da pelagem com a idade – quando não com as estações, o que
é mais frequente nas regiões frias do que nas quentes ser, individualmente,
precoce ou tardia. Vem daqui uma certa imprecisão, na grande maioria dos
autores, quanto à tonalidade geral atribuída à pelagem de muitos animais.
Tomemos, por exemplo, o caso da palanca vulgar: os ingleses dão-lhe,
invariàvelmente, o nome de «Roan Antelope», antilope ruão ou ruço; entre nós é
conhecida por palanca vermelha, palanca cinzenta e até por palanca castanha. Já
Selous, que foi um dos melhores observadores e um dos maiores conhecedores da
grande fauna africana, escrevia que as palancas vulgares podem diferir consideravelmentemente
de cor, encontrando-se exemplares de um acinzentado claro ou d. tonalidade
acastanhada, ao pas8o que outros são avermelhados cinzento carregado, Além das
variações individuais e regionais, complicadas pelas que haja que atribuir à
idade do exemplar observado, na precisa apreciação e designação das tonalidades
entra, como é óbvio, um factor extremamente falível que é o próprio observador,
tanto mais sendo certo que, quando do estreito quadro das cores fundamentais do
espectro se passa para o campo largo das cores secundárias ou compostas, a
confusão e imprecisão são inevitáveis.
Peso, dimensõea, tamanho e desenvolvimento dos chifres
ou das presas, tudo são caracteristicas que além de dependerem da idade, do
sexo, do estado fiaioo, da variação individual, se aubordinam estreitamente às
condições ccológicas do meio. Clima, vegetação, abundância ou escassez de
dguas, de pastos e de presas, natureza dos solos, tudo tem marcante in/luência
nos animais selvagens e dá origem a diferenças que, com rela- pão a algumas
espécica, são tanto mais salientes quanto maior é o afas- tamento geográfico e
a diversidade ecológica das regiões que habitam.
Os pesos que vulgarmente são indicados por muitos
autores para 0s rinocerontes, os elefantes, os hipopótamos e outros animais de
grande corpulência, só podem ser tomados como estimativos ou aprimorados.
Alguns exemplares, decerto bem raros, que hajam sido pesados logo após o abate,
constituem, sem dúvida, uma indicação valiosa, mas o resultado dessas pesagens
não pode ser generalizado a toda a espécie.
Temos encontrado as mais variadas indicações quanto ao
peso dos rinocerontes pretos e Rowland Ward, por exemplo, não podendo aplicar à
ponderabilidade e corpulência da espécie os mesmos métodos de mensuração
rigorosa que aplica ao tamanho dos chifres, diz, vaga e comodamente, que esse
peso varia entre 1 e 1,5 toneladas e que a altura na espádua oscila entre 1,50
e 1,80 mts. No mundo dos rinocerontes e no de muitas outras espécies também há
Buchas e Esticas, anões e gigantes.
Isto quanto ao físico. Quanto ao psíquico, são também
por vezes muito marcadas as diferenças de temperamento e de comportamento de
individuo para individuo, dentro de uma mesma espécie, sobretudo nalgumas
delas, como os leões, os leopardos, os elefantes, os rinocerontes e os búfalos.
A etologia, a parte da zoologia que se ocupa dos costumes dos bichos, está ainda
nas primciras letras e a psicologia animal, essa, apenas balbucia.
Variam as opiniões dos grandes caçadores, dos que
deixaram con- signadas em livro as suas memórias e as suas observações, sobre
qual seja a espécie mais perigosa. Para uns é o leão, para outros o tigre;
atri- buem muitos a coroa da ferocidade ao rinoceronte preto, mas não são poucos
os que argumentam com a força e a inteligência do elefante para verem nele o
adversário mais temivel; outros, ainda, concedem essa palma ao grande büfalo do
Cabo, ou ao leopardo, um bicho geralmente mal disposto, capaz de ataques
fulminantes. E natural que todos tenham razão, porque cada qual se baseia na
sua cxperiência pessoal e em casO8 particulares em que as diversas cspécies, em
dadas circunstâncias, tive- ram para com eles comportamentos diferentes dos
que, em circunstâncias idênticas, foram observadas por outros caçadores.
É evidente que cada espécie tem um padrão mais ou
menos uniforme de comportamento. Assim, por exemplo, é sabido que o rinoceronte
branco pode ser tomado como modelo de mansidão cristā ao lado do seu congénere
preto e que as palancas são capazes de se defenderem com uma energia e
determinação que por completo falha nas gungas. No entanto, há leões que fogem
e outros que atacam, bichos que se mostram traiçoeiros e outros que procedem
com nobreza. A psique animal é um mistério indesvendável e por isso nunca
saberemos quais as razões e as circunstâncias que determinam, em dado momento e
num individuo de dada espécie, este ou aquele procedimento, esta ou aquela
reacção.
Todas as
indicações que no decurso do nosso trabalho daremos ao leitor sobre características
físicas, hábitos e comportamento das espécies maiores da fauna da Província,
devem ser tomadas pelo que valem: simples indicações de ordem geral que caracterizam
bem as diversas espécies mas não podem considerar-se regra absoluta e
inviolável. A vida animal selvagem é tão rica, tão variada, tāo multiforme, e
por isso mesmo ainda tão misteriosa, que na sua descrição apenas podemos
ambicionar <aproximações».
O nosso trabalho limita-se aos mamiferos embora
algumas espé: cies de outras classes zoológicas, como o crocodilo e o avestruz,
se enqua- drem, legitimamente, dentro da designação de grande fauna selvagem.
Limitando-nos aos mamiferos, e tão sòmente àqueles considerados «grandes»,
damos uma maior unidade à obrinha. Ficam de fora inúmeras cspécies, familias e
até ordens inteiras, de minguado ou nenhum interesse para a maioria dos
leitores. De resto, para delas nos ocuparmos, seriam extremamente reduzidos os
nossos conhecimentos
O Distrito de Cabinda, situado numa zona do Continente
completamente distinta, sob o ponto de vista zoogeográfico, do resto da Província,
também não é abrangido neste trabalho. Explica-se, assim, que nenhuma
referência se faça ao gorila e ao chimpanzé, espécies só existentes na floresta
pluviosa do Maiombe. Dos primatas referiremos apenas o babuíno, único que, com
excepção dos dois grandes antropóides acima referidos, pode ser considerado
dentro do âmbito das espécies de que nos ocupamos.
De uma forma geral são ainda bastante incompletas as informações
disponíveis sobre a distribuição das espécies animais, mesmo das mais
importantes, por todo o vasto território da Província. Algumas expedições científicas,
sobretudo estrangeiras, concentraram os seus trabalhos em determinadas zonas
restritas e, mesmo nessas, a sua curta duração não permitiu uma prospecção
integral. Citem-se, em abono da afirmação, Expedição Vernay de 1925, a
Bapedição Phipps-Bradley de 1932 e as duas expedições do Museu de
La-Chaux-de-Fonds chefiadas pelo Dr. Monard, que não conseguiram, qualquer
delas, encontrar o cacu, animal averiguadamente abundante nas anharas do Alto
Zambeze e ao qual vieram a ser feitas, nos respectivos relatórios, referências
apenas baseadas em vagas informações.
É necessário, de resto, ter em linha de conta que, no
respeitante à distribuição e relativa densidade das espécies o trabalho do naturalista só pode cobrir completamente a
totalidade de qualquer território se dispusesse de um grande número de
observações fidedignas, fornecidas por um também não pequeno número de
observadores idóneos. Ora, já cm 1935 o Dr. Monard esCrevia o seguinte:
«Um facto lamentável da História Natural de Angola é a
escassez de dados concretos sobre a natureza, a distribuição e os hábitos da
caça grossa. Os boers que foram os grandes destruidores da caça na Colónia, que
exterminaram por completo o bifalo em muitas regiões do Sul e por toda a parte
rarefizeram a fauna, não comunicaram as suas observações. Os caçadores portugueses,
muito numerosos, contentam-se, por via de regra, em praticar o seu desporto e
empregam, para designar as espécies, nomes indigenas (que variam de dialecto
para dialecto) ou nomes de fantasia. Em geral não escrevem o relato das suas
caçadas, ou quando o fazem é em jornais
e revistas que não entram na bibliografia cientifica, As suas observações
ficam, desta forma, perdidas para o naturalista que não tem possibilidade de as
localizar».
Procurámos reunir todas as indicações que nos foi possível
sobre a distribuição das espécies principais no território da Província,
juntando-lhes algumas de nossa própria observação. O quadro encontra-se bastante
incompleto e refere-se, no caso de muitas espécies, a áreas vastissimas onde a
sua distribuição será, necessàriamente, parcial ou fragmentada. Sổ um trabalho
muito demorado e metódico de recolha de informações, abrangendo toda a Província,
permitirá que esse quadro vá sendo pouco a pouco completado e venha a
oferecer-nos um panorama seguro da distribuição das espécies em Angola.
A região da Província hoje melhor conhecida sob o
ponto de vista biológico é o Distrito da Lunda, graças aos trabalhos do Dr.
Barros Machado e de diversos especialistas estrangeiros, patrocinados pela Companhia
de Diamantes de Angola e publicados pelos seus Serviços Culturais, sob a égide
do Museu do Dundo. Notabilíssima contribuição acaba de surgir, da mesma fonte,
com a publicação (1969) do último trabalho de Barros Machado «Mamíferos de
Angola ainda não citados ou pouco conhecidos» no qual se encontra, além de
outras, a primeira citação em literatura cientifica, para Angola, de nada menos
de quatro antílopes: o Alcelaphus de Lichtenstein, o Puku, o
Cefalofo-de-banda-doraal-negra e o Cefalofo-de-fronte-negra, além dos estudos
mais completos até hoje publicados, com relação à nossa Província, sobre os babuínos
e o Bâmbi- de-dorso-amarelo.
Também a Divisão de Zoologia do Instituto de
Investigação Cientifica de Angola vem realizando, desde há anos, um trabalho
beneditino de prospecção nos sectores da ornitologia e da mamologia. Angola,
porém, é muito grande, muito elevado o número de espécies, e o labor do seu
minucioso estudo e classificação há-de levar ainda bastante tempo até que os
seus resultados possam ser condensados e trazidos ao conhecimento do público.
Procurámos recolher o maior número de nomes por que as
diversas espécies são designadas nos vários dialectos da Provincia. No que
respeita ao extremo Sul, a nossa principal fonte foi Shortridge que recolheu
boa mancheia deles ao longo da fronteira, terrestre e fluvial, com o Sudoeste
Africano, fronteira apenas geográfica que não étnica ou linguística. Ao Rev.
Padre Carlos Estermann ficamos a dever não só a indicação de alguns nomes
nativos mas também a correcção de outros e ainda a oferta de um exemplar do
hoje bastante raro «Dicionário Olunyaneka-Português do Rev. Padre Bonnefoux.
Muitos dos nomes que vulgarmente se aplicam a diversas
espécies da fauna da Província, e que hoje se podem dizer integrados na nossa
Zingua, são de origem nativa e derivam deste ou daquele dialecto falado pelos
povos de Angola, já que tais espécies só muito tarde vieram a ser conhecidas e
para as mesmas não existiam nomes clássicos ou nomes já aplicados a formas
animais estreitamente afins.
Com outras línguas civilizadas passa-se exatamente o
mesmo, embora talvez em menor extensão. Assim, por exemplo, os ingleses dão ao
Damaliscus lunatus, que nós designamos por cacu, o nome de <sassaby> ou
<tsessebe> que é vocábulo de um dialecto bechuana. Outros nomes vulgares
são «inventados» e variam consoante as características ou costu- mes do animal
que mais feriram a atenção dos seus inventores. Assim,nós damos à famosa gazela
do Deserto de Moçâmedes o nome de «cabra -de-leques» que e refere à prega profunda, revertida
de pêlos alvíssimos que o animal possui na garupa e que abre como um leque
quando se encontra excitado e nos últimos momentos da agonia. Os ingleses, por
seu lado designam-na por «springbuck», cabra-saltadora, pondo em relevo a extraordinária faculdade de entremear de
saltos a corrida e ainda a de os dar, por vezes, quase na vertical e de membros
perfeitamente hirtos como se tivesse molas nos cascos que a fizessem ir para o ar
de cada vez que toca no chão. Julgamos até haver quem pense que esta designação
de «springbuck» significa coabra-de-molas» já que «spring» tanto se traduz por
«salto» como por «mola».
Pelo que respeita a designações cientificas, adoptámos
na maioria dos casos o critério da simples nomenclatura binomial, pondo de lado
as designações subespecificas que, não raras vezes, são ainda objecto de
controvérsia e bascadas tão sòmente no cstudo de um reduzido número de
cxemplares, podendo até atribuir-se, com frequência, a meras varia- ções
individuais. Ao tratar de algumas espécies daremos, no entanto, indicações
quanto às subespécies ou raças geográficas a que hajam sido atribuidas ou
possam atribuir-se os exemplares da nossa Provincia. Apenas para uma ou outra
espécie abrimos cxcepção a esse critério, encabeçando as respectivas descrições
com o nome científico até à subespécie em que se encontram classificadas, por
não haver quaisquer dúvidas quanto à sua absoluta diferenciação racial.
Para aqueles
dos nossos eventuais leitores
que hajam esquecido ou se não encontrem familiarizados com os princípios da
nomenclatura zoológica, tomamos a liberdade de lembrar que a mesma obedece,
abrevia- damente, ao seguinte esquema:
Phylum
subphylum
Classe
Subclasse
Ordem
Subordem
Familia
Subfamilia
Género E
spécic
Subespécie
Exemplificando:
A palanca-real Hippotragus niger variani, pertence a:
Phylum dos Cordados
Subphylum dos Vertebrados
Classe dos Mamiferos
Subclasse dos Placentários
Ordem dos Artiodáctilos
Subordem dos Ruminantes
Família dos Bovideos
Subfamilia dos Hipotragineos
Género Hippotragus
Espécie niger
Subespécie variani.
O primeiro nome cientifico de um animal designa,
portanto, o género, o segundo a espécie e o terceiro, quando indicado, a
subespécie ou raça geográfica. Quando o terceiro nome é idêntico ao segundo,
como, por exemplo, em Diceros bicornis bicornis, significa isso que se trata da
forma típica ou seja a primeira que foi descrita. Alguns géneros dividem-se em
subgéneros e estes são indicados entre parênteses como, por exemplo, em Vulpes
(Cynalopex) chama.
Para finalizar, permitir-noss-emos aconselhar àqueles
dos nossos eventuais e benévolos leitores que desejem ampliar os escassos
conheci- mentos que este livro lhes proporcionará, a leitura e o estudo de duas
obras: <The Mammals of South West Africas, de G. C. Shortridge, e eThe
Mammals of South Africas de Austin Roberts, nas quais encontrarão farto
manancial de informações sobre uma fauna em grande parte idêntica à de pelo
menos a metade meridional de Angola.
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