sexta-feira, 17 de maio de 2024

DISTO E DAQUILO


 DISTO E DAQUILO

Fernando Lopes-Graça

Edições Cosmos – Lisboa - 1973

Páginas:323

Dimensões: 195x135 mm

Peso: 306

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Exemplar em muito bom estado.

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PREÇO:16.00€ - Como comprar

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 INDICE

PROÉMIO

MEMÓRIAS INCOMPLETAS

1. Recordações em dó maior

2. Memórias de Paris

ENSALADA I.

1. O Abade António da Costa, músico e episto- lógrafo setecentista

2. Nótula de leitura

3. Cultura, educação, arte, etc.

4. Crítica, criação, público, etc.

ENSALADA II

1. Misticismo e Ironia

2. «Os Lusíadas» na escola

3. Língua brasileira.

4. A Severa não morreu

 

5. Um belicista

6. Ciência musicológico-poética

DA ARTE BAILATÓRIA

1. Dança e bailado..

2. Uma experiência coregráfica

3. Os <<ballets>> dos Campos Elísios em S. Carlos.

CINCO NOTAS SOBRE MÚSICA FOLCLÓRICA

1. Constantin Brailoiu e a música folclórica portuguesa

2. Uma definição de música folclórica

3. É a música folclórica uma deformação da música culta?

4. Acerca do canto alentejano

5. Tradicionalismo e folclorismo quantitativos.

 

ENSALADA III.

1. Sobre a Hélada

2. Tomar e o turismo

3. Poesia e música de acção

4. Breves impressões da vida musical lon- drina

5. Notícia sobre os Seminários Livres de Música da Universidade da Bahia

6. Vieira de Almeida, o amador de Música.

7. Memória de Manuel Mendes.

8. OI Festival de Música da Guanabara

9. Uma vez por todas

10. A ópera «Mariana Pineda» de Louis Saguer

11. Música e cinema.

12. Sobre a música do filme «Alexandre Nevsky>>>

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Este livro é um autêntico sarapatel. Há nele de tudo ESTE um pouco da amena página de memórias ao desadornado artigo enciclopédico, da irreverente nota crítica ao ensaio com algumas pretensões, do mais ou menos circunstancial comentário jornalístico ao escrito mais puxado à sustância, da comovida evocação das pessoas à apaixonada impugnação das ideias, da música à poesia, do turismo ao cinema, do bailado ao folclore. E tudo isto de cambulhada ao correr dos dias, dos meses e dos anos, o mais antigo escrito esfumando-se nos longes de 1929, o mais recente datado relativamente de fresco, de 1972. É possível que, do ponto de vista de uma arte literária exigente, que manda que a matéria de um livro obedeça a uma escolha severa, a uma sabia ordenança, a um criterioso princípio de unidade e harmonia, é possível que quanto aqui fica compendiado brigue entre si e produza uma sensação de dissonância supinamente desagradável ao paladar do leitor acostumado às finas produções dos escritores de bom quilate. Mas eu não sou propriamente um escritor, isto é, aquele ser que tem por profissão ou inclinação natural manear habilmente a pena para doutrinar, deleitar, comover ou exaltar os outros com as suas ideias, fantasias, enredos ou invenções. Não. Eu sou apenas um sujeito que, fora do seu oficio próprio, fora daquilo para que a boa natureza se dignou conceder-lhe alguma graça, que é a arte da música, circunstâncias diversas, voluntárias umas, outras pressionantes, e ao sabor de ventos e marés quantas vezes de grande tormenta, se ajeitou ao cálamo ou à remington para lançar ao papel almaço aquilo que não tinha cabida no papel pautado. Mais do que vocação - essa força obscura que nos empurra para a substantivação do que borbulha ou sonha lá no mais fundo de nós mesmos, mais do que vocação, à minha actividade de escrevedor poder-se-lhe-ia chamar antes impulsão, exaltação, necessidade de agir, de intervir, quando as coisas e os acontecimentos implicassem com o meu sentido do verdadeiro, do belo e do justo.

Se alguma vocação havia aí, era talvez a do pedagogo, a do homem que se sente impelido a educar, a esclarecer, a desmistificar - ainda que em tantas circunstâncias hou- vesse que usar de armas porventura as menos próprias e que mais rápido se embotam: as armas da polémica, que é justamente o signo e escape da impulsão, da exaltação.

Mas não haveria também em mim quaisquer pruridos de escritor, de cultivador da forma, do estilo, poderá perguntar acaso o leitor que atente num que outro escrito, ou passo de escrito, nada pedagógico, nada intervencionista e onde trasluz antes uma vontade por assim dizer gratuita de mero prazimento literário? É possível. Todos nós somos sujeitos a tentações, a ilusões, umas vezes que nos passam despercebidas, outras que vêm a ser pagas com o sorriso caridoso ou escarninho dos outros. Parece-me, em todo o caso, que tais momentos literários são raros nos meus escritos seja como for, não é apenas o lançar com alguma correcção e alguma clareza as suas ideias ao papel o que faz o escritor e eu confio em que, se alguma literatura há aí, ela me não seja creditada à intenção cultivada de passar também por escritor ou à balda perigosa balda! de mostrar-me habilidoso no meu violon d'Ingres...

Posto isto, assalta-me a dúvida sobre se haverá nestes escritos alguma coisa, se se esboçará neles alguma ideia, algum pensamento que justifique o propósito de trazê-los das publicações onde primeiro vieram a lume para os salvar de um porventura merecido esquecimento. Estou em que há para aí muita ingenuidade, algum atrevimento, bastante inabilidade, possivelmente de par com um que outro acerto, com uma que outra observação pertinente. No fundo, eu creio que o que poderá grangear para o livro alguma simpatia será tão-só a circunstância de ele se apresentar assim mesmo: ingénuo, atrevido, inábil, mas correspondendo, na sua variegada temática, a impulsões vividas do autor, a sinceros movimentos da sua exaltação e dai talvez o seu interesse antes de mais documental, naquilo em que de certo modo possa constituir uma contribuição para o conhecimento de uma pessoa e de um meio, ou, melhor, das reacções dessa pessoa a esse meio. E isto, bom será notá-lo, desde que se não considere essa mesma pessoa -o autor do livro - um individuo (muito menos uma individualidade), uma consciência estanque ou voltada só para si (o livro seria, então, uma espécie de retrato autobiográfico, coisa detestável), mas sim um duplo de outras pessoas, de muitas outras pessoas, susceptiveis de experimentarem (e sofrerem) idênticas reacções ao mesmo meio, que, bem vistas as coisas, pouco se modificou no transcurso de perto de quarenta e cinco anos.

Aqui ficam, pois, estes escritos provindos de quadrantes vários em mútua companhia e entregues ao seu destino, que estimarei lhes não seja demasiado hostil. Será ocioso acrescentar que, para a sua publicação em livro, os ajeitei aqui e ali e lhes corrigi alguns aleijões originais, não para os aformosear, mas para que eles possam merecer do leitor a sua melhor benevolência.

Parede, Janeiro de 1973

 

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https://www.instituto-camoes.pt/activity/centro-virtual/bases-tematicas/figuras-da-cultura-portuguesa/fernando-lopes-graca

Fernando Lopes-Graça

Por Teresa Cascudo

No decurso de uma entrevista concedida em 1986, Lopes-Graça afirmou que a sua atuação enquanto artista era inseparável dos compromissos que, como cidadão, tinha com a “Cidade” e com a “Grei”. A sua intenção era esclarecer definitivamente, no significativo momento do seu 80º aniversário, que não era nem um “compositor político” nem um “político compositor”.

A posição de Lopes-Graça apresenta analogias com a de numerosos intelectuais portugueses, os quais, a partir de coordenadas diferentes, defenderam o papel da cultura como fundamento para a construção da sociedade civil. Este compromisso, no caso de Lopes-Graça, foi primeiramente um compromisso pessoal. Foi, ainda, um compromisso público, alicerçado numa conceção social da arte e na fé no progresso da humanidade. Porém, decorridos cem anos desde o seu nascimento, Lopes-Graça merece ser principalmente recordado como compositor, como autor de uma vasta obra em que deu voz a uma forma interveniente e crítica de “ser” português.

Nascido em Tomar, em 1906, Fernando Lopes-Graça iniciou os seus estudos musicais na sua cidade natal, tendo-os concluído no Conservatório Nacional de Lisboa, que frequentou entre 1923 e 1931. Nessa instituição foi discípulo de piano dos professores Adriano Merea e José Viana da Mota, estudou composição com Tomás Borba, e ciências musicais com Luís de Freitas Branco. Frequentou ainda o curso de Letras das Universidades de Lisboa (1928-31) e de Coimbra (1932-4), embora não chegasse a conclui-lo. As primeiras obras do seu catálogo foram apresentadas em Lisboa em concertos organizados em colaboração com outros colegas do Conservatório, na mesma época em que iniciava um notável trabalho como cronista musical, manifestando um raro talento literário e uma ampla cultura. Em 1932 começou a ensinar na Academia de Música de Coimbra, cidade onde permaneceu radicado até 1936. Os anos de Coimbra foram precedidos e encerrados com duas detenções por motivos políticos que o impediram de ensinar em escolas públicas durante os anos posteriores, apesar de ter ganho por oposição uma vaga de professor de piano no Conservatório Nacional de Lisboa em 1931. Estes anos coincidiram com um primeiro período, que poderíamos qualificar como modernista, no seu percurso como compositor, durante o qual o seu estilo revelou a influência de autores como Arnold Schönberg e Paul Hindemith. Nas suas primeiras obras, muitas delas destruídas ou revistas posteriormente, também se destaca um atento estudo da prosódia da língua portuguesa, manifestado nas suas canções de poetas como Adolfo Casais Monteiro, José Régio ou Fernando Pessoa. O seu gosto pelos géneros vocais, estimulado pelo relacionamento constante com poetas contemporâneos, permaneceu ao longo de toda a sua vida.

Lopes-Graça instalou-se em Paris em 1937. Na capital francesa frequentou o curso de Musicologia da Sorbonne, assistindo às aulas de Paul-Marie Masson, e teve alguns contactos com o compositor Charles Koechlin. Em Paris compôs várias obras para piano, a música para o bailado realista La Fièvre du Temps e realizou as suas primeiras harmonizações para voz e piano de canções tradicionais portuguesas. Uma parte da sua produção derivou num “nacionalismo essencial”, nas suas palavras, caracterizado pelo tratamento do material retirado da música tradicional e pela assimilação dos seus rasgos harmónicos, melódicos e rítmicos. Temos dois exemplos na Sonata para piano nº 2 e na primeira versão do Quarteto com piano, onde a referência estilizada às canções populares surge junto com o uso de uma colorística harmonia e de ritmos percutidos alternados com polirritmias lineares. Esta nova tendência no seu estilo de compor manifesta a influência de Bela Bartók e de Manuel de Falla e a dos escritos de Koechlin publicados nestes anos.

Fernando Lopes-Graça a dirigir o Coro da Academia dos Amadores de Música (© Câmara Municipal de Cascais / Museu da Música Portuguesa / Fundo Fernando Lopes-Graça)

Lopes-Graça regressou a Lisboa em 1939, tendo retomado a sua atividade como cronista musical, musicólogo e professor e iniciando o seu labor como organizador de concertos e maestro coral. Ensinou piano, harmonia e contraponto na Academia de Amadores de Música e constituiu a sociedade Sonata que, entre 1942 e 1960, promoveu a apresentação de programas inteiramente preenchidos por música do século XX. A sua primeira obra importante após o seu regresso de Paris foi o Concerto para piano e orquestra nº 1, composição que ganhou o primeiro prémio de composição patrocinado pelo Círculo de Cultura Musical em 1940. Recebeu a mesma distinção em 1942, com a cantata História Trágico-Marítima sobre textos de Miguel Torga, em 1944, com a Sinfonia per orchestra, e, em 1952, com a Sonata para piano nº 3. Lopes-Graça também retomou as suas colaborações nas publicações periódicas Seara Nova e O Diabo, como crítico musical e teatral respetivamente. Participou, com Bento de Jesus Caraça, na organização da Biblioteca Cosmos e publicou vários livros onde, para além de editar seleções dos seus artigos jornalísticos, se dedicou à difusão, com intuito pedagógico, de diversos assuntos de caráter musical.

Após a Segunda Guerra Mundial, grande parte da atividade de Lopes-Graça foi determinada pela sua participação no Movimento de Unidade Democrática, assim como no PCP, do qual se tornou militante na década de 40. É de 1945, por exemplo, o seu plano para a organização estatal da música, inédito até à sua publicação em 1989, um bom indício das esperanças postas na mudança política que foram partilhadas por muitos nesta época. É também deste ano o início da composição das célebres Canções Heróicas, canções de intervenção que Lopes-Graça, apesar da proibição que pesava sobre a sua execução pública, continuou a compor até 1974, e inclusive em anos posteriores. A criação, igualmente em 1945, do Coro do Grupo Dramático Lisbonense fez parte deste movimento. Este foi o antecedente do Coro da Academia de Amadores de Música, fundado em 1950. Para além do trabalho de regência, Lopes-Graça escreveu para este agrupamento dezenas de harmonizações corais de canções tradicionais portuguesas, que constituíram o seu repertório. Por último, também em 1945, Lopes-Graça começou a colaborar regularmente na revista Vértice, onde publicou ao longo da segunda metade da década quatro artigos essenciais para entender as suas atitudes estéticas e políticas: “Necessidade e capricho da música contemporânea” (1945), “Sobre o conceito de popular na música” (1947), “O valor da tradição nas culturas musicais” e “Valor estético, pedagógico e patriótico da canção popular portuguesa” (ambos de 1949). O seu apreço reivindicativo da música tradicional continuou manifestando-se nas suas obras musicais da década de 50, nomeadamente na Sonata nº 3 e nas Glosas, ambas para piano.

O fim da sua atividade pedagógica na Academia de Amadores de Música, em 1954, foi consequência de um despacho ministerial que anulou a sua autorização para dar aulas em instituições privadas de ensino. Conseguiu, porém, manter a sua ligação com a instituição através da revista Gazeta Musical (1950-1957), fundada por ele juntamente com João José Cochofel, e da edição do Dicionário de Música (1954-8), empresa iniciada a partir do projeto de um dos seus professores, o então já falecido Tomás Borba, e através da direção musical do mencionado Coro da Academia de Amadores de Música, que teve nestes anos um dos seus períodos de mais intensa atividade. O dicionário foi editado pela Editorial Cosmos e durante estes anos foi a principal fonte de ingressos do compositor. O seu encontro com Michel Giacometti data de fins da década de 50, quando após um primeiro encontro pessoal ambos deram início a um trabalho conjunto que se manteve durante décadas. O primeiro fruto desta colaboração nasceu em 1960, ano em que foi editado o primeiro volume discográfico da coleção “Antologia da Música Regional Portuguesa”, dedicado à região de Trás-os-Montes. Ambos, em 1981, editaram no Círculo de Leitores o Cancioneiro Popular Português.

Primeira página da partitura autografa "Suite Rústica N.º 1" de Fernando Lopes-Graça (© Câmara Municipal de Cascais / Museu da Música Portuguesa / Fundo Fernando Lopes-Graça)

O desenvolvimento posterior da obra musical de Lopes-Graça tem permitido definir uma terceira fase iniciada na segunda metade da década de cinquenta, e marcada por obras como o ciclo vocal As mãos e os frutos (1959), sobre poemas de Eugénio de Andrade, o Canto de Amor e de Morte, quinteto com piano composto em 1961, e a Sonata para piano nº 5, escrita em 1977. Estas duas obras contam-se entre a produção mais intensa e exigente em termos formais e expressivos do compositor, evidenciando uma nova orientação no seu estilo. Embora nunca chegasse a abandonar completamente as referências explícitas à canção tradicional no seu catálogo, nestes anos, o compositor passou a explorar de maneira intensiva o ritmo e a harmonia, sendo o trabalho sobre este parâmetro baseado na utilização de um número muito reduzido de relações intervalares, em estruturas mais elaboradas. Esta é também a época do Concerto da camera col violoncelo obbligato, encomenda de Mstislav Rostropovich que o interpretou em primeira audição num concerto em Moscovo, e do Quarteto de cordas nº 1, vencedor do prémio de composição Rainier III de Mónaco em 1965. Nesse ano foram gravadas pela primeira vez obras sinfónicas da sua autoria interpretadas pela Orquestra do Porto sob a regência de Silva Pereira, que tinha dirigido no ano anterior um concerto inteiramente preenchido com composições para orquestra de Lopes-Graça, promovido pela delegação portuense da Juventude Musical Portuguesa.

O fim do Estado Novo traduziu-se no reconhecimento oficial da importância de Lopes-Graça para a cultura portuguesa através de diversas homenagens e encomendas estatais. No que diz respeito à divulgação da sua obra, devemos referir a reedição, ao longo das décadas de 70 e de 80, dos seus livros numa coleção da Editorial Caminho e a gravação em disco de um considerável número de obras da sua autoria, editadas pela etiqueta discográfica PortugalSom, então dependente da Secretaria de Estado da Cultura. Os anos transcorridos desde 1974 até ao seu falecimento foram para Lopes-Graça criativamente muito férteis. São prova disso as duas sonatas para piano e um quarteto, o impressionante Requiem para as vítimas do fascismo em Portugal (1979) e as Sete predicações de “Os Lusíadas” (1980), o bailado Dançares, uma sinfonia para orquestra de formação clássica, numerosas canções, composições instrumentais mais breves e peças de circunstância. Da sua última produção para voz e piano, destacam-se os Dez Novos Sonetos de Camões, Aquela nuvem e outras (sobre poemas infantis de Eugénio de Andrade) e canções sobre textos de Fernando Pessoa e de José Saramago. Se o expressivo Requiem sintetiza a vertente mais dramática do seu catálogo, surgiram neste período outras composições com características novas. Lopes-Graça cultivou a partir dos anos 80 uma espécie de neoclassicismo revisitado para formações instrumentais que nunca tinham feito parte do seu catálogo. Na realidade, essa ideia de neoclassicismo relaciona-se ao longo de toda a sua obra com uma interessante reflexão sobre a de tradição, que se evidencia no recurso e manipulação constante de citações musicais. Sonata nº 6, a Sinfonietta homenagem a Haydn e Geórgicas são exemplos desta última fase, obras onde também se revela através da paródia o seu peculiar sentido do humor.

 

Bibliografia sumária:

  • Carvalho, Mário Vieira de Carvalho, O essencial sobre Fernando Lopes-Graça, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988.
  • Cascudo, Teresa, “À luz do presencismo: uma leitura da Introdução à música moderna (1942), de Fernando Lopes-Graça”, Leituras: Revista da Biblioteca Nacional, 12-13, 2003, pp. 107-124.
  • Uma homenagem a Fernando Lopes-Graça, Porto, Câmara Municipal de Matosinhos/Edições Afrontamento, 1995.
  • Vértice, 444/5 (1981) [número especial dedicado a Fernando Lopes-Graça]
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quinta-feira, 16 de maio de 2024

A CAÇA AOS COELHOS E OUTROS ESCRITOS POLÉMICOS


 A CAÇA AOS COELHOS E OUTROS ESCRITOS POLÉMICOS

Fernando Lopes-Graça

Edições Cosmos – Lisboa - 1976

Páginas:243

Dimensões: 195x135 mm

Peso: 247

 Exemplar em muito bom estado.

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 PREÇO:21.00€   Como comprar

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  ÍNDICE

ADVERTENCIA

A CAÇA AOS COELHOSO ÚLTIMO TIRO Conclusão e documentação da polémica com Rui Coelho

OUTROS ESCRITOS POLÉMICOS.

Wagner, músico eclécticol

O crime de reincidência de um crítico musical.

 O milagre que Fátima não fez.

Um banquete de homenagem.

Nacionalismo, formalismo e..coelhismo

A tragédia grega e a opereta nacional

Os caprichos de um crítico acerca do «Caprichos de Stravinsky

Semínimas

A questão do Amor Industriaso.

NOTA

  ADVERTÊNCIA

Publicado em 1931, nunca o folheto intitulado A Caça aos Coelhos [...] figurou na  tábua bibliográfica estampada na quase totalidade das obras literárias do autor. Porquê?, perguntar-se-á acaso. Estaria ele, o autor, arrependido de o haver escrito e dado a lume? Arrependimento não haveria, mas havia um como que pudor da sua parte por se ter envolvido num prélio pouco edificante pela forma como se desenrolou aos olhos do público, embora talvez não de todo pedagogicamente ineficaz.

 A polémica, e sobremodo a polémica contundente e algo despejada, não é decerto a melhor maneira de se confrontarem ideias, de se oporem razões, nem de esclarecer o espírito daqueles que desejam ser inteirados do justo curso de uma questão controversa. Contudo, a polémica, mais ou menos aguerrida, mais ou menos enluvada, parece estar-nos, a nós, portugueses, de certo modo na massa do sangue, e talvez se explique pela reacção apaixonada de certas consciências à mesquinbez de um meio intelectual, artístico e social que não tem primado nem por vistas nem por comportamentos exemplares, criando-se permanentemente mitos e equívocos que se é impelido a denunciar.

 Os anos de 1930-31 (já antes, e ainda depois) eram um tempo propício à proliferação de tais mitos e tais equívocos. Na arte como em tudo o resto. E o folheto A Caça aos Coelhos, na sequência da peleja musical que lhe está na raiz, é, antes de mais nada, a reacção explosiva e apaixonada (mas não cega, assim o julgamos) de um jovem artista português a um mito e a um equívoco que se alçapremava, e que alçapremavam, às culminâncias de um indisputável valor» nacional.

 Repetimos que não estamos, nunca estivemos, repesos da atitude tomada então. Simplesmente, entendemos que não valeria a pena ligar ao caso damasiada importância, conferir à questão um relevo e uma projecção que nem o mito, na sua satisfeita vacuidade, nem a denúncia que dele se fazia, no seu arrebatamento algo descontrolado, verdadeiramente justificavam. E por isso o belicoso opusculozinho quase que ficou esquecido. Esquecido do seu autor, mas não de todo esquecido de um certo público - sobretudo de um público de jovens, que dele vieram a ter conhecimento, quer por informação, quer por haverem folheado um que outro exemplar dos que resistiram à traça e que se passaram de mão a mão, ao escrito por vezes se referindo com uma animação toda de juvenilidade.

 Haveria assim razão para que esse escrito fosse afastado da edição em curso das prosas do autor? Pareceu-nos que o fazê-lo poderia significar que ou de facto o enjeitávamos ou temíamos qualquer veredicto menos benévolo que a seu respeito pudesse ser emitido, e de que acaso ele não estará abrigado. Entre, portanto, para a roda a Caça aos Coelhos. Não, porém, exactamente como veio pela primeira vez à luz, pelas razões expostas na nota inserta no fim do volume, e ainda por certos ajeitamentos que na sua republicação entendemos fazer-lhe.

 Quanto aos outros escritos polémicos incluídos no volume, são eles ainda de teor e estilo predominantemente fundibulário. A funda é a arma mais pronta da juventude; mas é também, é muitas vezes também, a resposta viva e exaltada que somos impelidos a dar aos rotundos e imperturbáveis desconchavos que à nossa volta, e num meio em que a trapaça intelectual e artística tem corrido à rédea solta, ofendem o bom senso, a razão e o decoro elementar que se deve pôr nas operações do espirito. E o que era esse meio o meio português e, mais propriamente, lisboeta, no capítulo da arte da música em tempos ainda não sobremaneira recuados, acaso estas páginas, de uma causticidade no fundo mais desgostada do que preconcebidamente implicativa, o poderão fazer entrever. Há nelas decerto alguns excessos, pontos de vista não inteiramente ao abrigo de reparos, obnubilações, deslizes, que a tudo isto pode conduzir a paixão polémica, ainda que justificada. Num que outro ponto, denunciaremos nós próprios as abusões. No entanto, cairia fora de todo • propósito modificar substantivamente o que no primeiro impulso do desacordo foi lançado ao papel. Se algum interesse estes escritos ainda conservam, residirá ele possivelmente nessa como mistura de impulso e razão, de crítica e paixão, de acerto e desvio, numa expressão que pretende ser chistosa e talvez não seja mais do que de um fácil pitoresco.

 Seja como for, e pelo que possam ou não valer, aqui ficam as empoadas prosas comprendidas, e o leitor que lhes dispense a distraída atenção que elas acaso tão-só merecem.

 Parede, Outubro de 1974.

 

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Fernando Lopes-Graça

Por Teresa Cascudo

No decurso de uma entrevista concedida em 1986, Lopes-Graça afirmou que a sua atuação enquanto artista era inseparável dos compromissos que, como cidadão, tinha com a “Cidade” e com a “Grei”. A sua intenção era esclarecer definitivamente, no significativo momento do seu 80º aniversário, que não era nem um “compositor político” nem um “político compositor”.

A posição de Lopes-Graça apresenta analogias com a de numerosos intelectuais portugueses, os quais, a partir de coordenadas diferentes, defenderam o papel da cultura como fundamento para a construção da sociedade civil. Este compromisso, no caso de Lopes-Graça, foi primeiramente um compromisso pessoal. Foi, ainda, um compromisso público, alicerçado numa conceção social da arte e na fé no progresso da humanidade. Porém, decorridos cem anos desde o seu nascimento, Lopes-Graça merece ser principalmente recordado como compositor, como autor de uma vasta obra em que deu voz a uma forma interveniente e crítica de “ser” português.

Nascido em Tomar, em 1906, Fernando Lopes-Graça iniciou os seus estudos musicais na sua cidade natal, tendo-os concluído no Conservatório Nacional de Lisboa, que frequentou entre 1923 e 1931. Nessa instituição foi discípulo de piano dos professores Adriano Merea e José Viana da Mota, estudou composição com Tomás Borba, e ciências musicais com Luís de Freitas Branco. Frequentou ainda o curso de Letras das Universidades de Lisboa (1928-31) e de Coimbra (1932-4), embora não chegasse a conclui-lo. As primeiras obras do seu catálogo foram apresentadas em Lisboa em concertos organizados em colaboração com outros colegas do Conservatório, na mesma época em que iniciava um notável trabalho como cronista musical, manifestando um raro talento literário e uma ampla cultura. Em 1932 começou a ensinar na Academia de Música de Coimbra, cidade onde permaneceu radicado até 1936. Os anos de Coimbra foram precedidos e encerrados com duas detenções por motivos políticos que o impediram de ensinar em escolas públicas durante os anos posteriores, apesar de ter ganho por oposição uma vaga de professor de piano no Conservatório Nacional de Lisboa em 1931. Estes anos coincidiram com um primeiro período, que poderíamos qualificar como modernista, no seu percurso como compositor, durante o qual o seu estilo revelou a influência de autores como Arnold Schönberg e Paul Hindemith. Nas suas primeiras obras, muitas delas destruídas ou revistas posteriormente, também se destaca um atento estudo da prosódia da língua portuguesa, manifestado nas suas canções de poetas como Adolfo Casais Monteiro, José Régio ou Fernando Pessoa. O seu gosto pelos géneros vocais, estimulado pelo relacionamento constante com poetas contemporâneos, permaneceu ao longo de toda a sua vida.

Lopes-Graça instalou-se em Paris em 1937. Na capital francesa frequentou o curso de Musicologia da Sorbonne, assistindo às aulas de Paul-Marie Masson, e teve alguns contactos com o compositor Charles Koechlin. Em Paris compôs várias obras para piano, a música para o bailado realista La Fièvre du Temps e realizou as suas primeiras harmonizações para voz e piano de canções tradicionais portuguesas. Uma parte da sua produção derivou num “nacionalismo essencial”, nas suas palavras, caracterizado pelo tratamento do material retirado da música tradicional e pela assimilação dos seus rasgos harmónicos, melódicos e rítmicos. Temos dois exemplos na Sonata para piano nº 2 e na primeira versão do Quarteto com piano, onde a referência estilizada às canções populares surge junto com o uso de uma colorística harmonia e de ritmos percutidos alternados com polirritmias lineares. Esta nova tendência no seu estilo de compor manifesta a influência de Bela Bartók e de Manuel de Falla e a dos escritos de Koechlin publicados nestes anos.

Fernando Lopes-Graça a dirigir o Coro da Academia dos Amadores de Música (© Câmara Municipal de Cascais / Museu da Música Portuguesa / Fundo Fernando Lopes-Graça)

Lopes-Graça regressou a Lisboa em 1939, tendo retomado a sua atividade como cronista musical, musicólogo e professor e iniciando o seu labor como organizador de concertos e maestro coral. Ensinou piano, harmonia e contraponto na Academia de Amadores de Música e constituiu a sociedade Sonata que, entre 1942 e 1960, promoveu a apresentação de programas inteiramente preenchidos por música do século XX. A sua primeira obra importante após o seu regresso de Paris foi o Concerto para piano e orquestra nº 1, composição que ganhou o primeiro prémio de composição patrocinado pelo Círculo de Cultura Musical em 1940. Recebeu a mesma distinção em 1942, com a cantata História Trágico-Marítima sobre textos de Miguel Torga, em 1944, com a Sinfonia per orchestra, e, em 1952, com a Sonata para piano nº 3. Lopes-Graça também retomou as suas colaborações nas publicações periódicas Seara Nova e O Diabo, como crítico musical e teatral respetivamente. Participou, com Bento de Jesus Caraça, na organização da Biblioteca Cosmos e publicou vários livros onde, para além de editar seleções dos seus artigos jornalísticos, se dedicou à difusão, com intuito pedagógico, de diversos assuntos de caráter musical.

Após a Segunda Guerra Mundial, grande parte da atividade de Lopes-Graça foi determinada pela sua participação no Movimento de Unidade Democrática, assim como no PCP, do qual se tornou militante na década de 40. É de 1945, por exemplo, o seu plano para a organização estatal da música, inédito até à sua publicação em 1989, um bom indício das esperanças postas na mudança política que foram partilhadas por muitos nesta época. É também deste ano o início da composição das célebres Canções Heróicas, canções de intervenção que Lopes-Graça, apesar da proibição que pesava sobre a sua execução pública, continuou a compor até 1974, e inclusive em anos posteriores. A criação, igualmente em 1945, do Coro do Grupo Dramático Lisbonense fez parte deste movimento. Este foi o antecedente do Coro da Academia de Amadores de Música, fundado em 1950. Para além do trabalho de regência, Lopes-Graça escreveu para este agrupamento dezenas de harmonizações corais de canções tradicionais portuguesas, que constituíram o seu repertório. Por último, também em 1945, Lopes-Graça começou a colaborar regularmente na revista Vértice, onde publicou ao longo da segunda metade da década quatro artigos essenciais para entender as suas atitudes estéticas e políticas: “Necessidade e capricho da música contemporânea” (1945), “Sobre o conceito de popular na música” (1947), “O valor da tradição nas culturas musicais” e “Valor estético, pedagógico e patriótico da canção popular portuguesa” (ambos de 1949). O seu apreço reivindicativo da música tradicional continuou manifestando-se nas suas obras musicais da década de 50, nomeadamente na Sonata nº 3 e nas Glosas, ambas para piano.

O fim da sua atividade pedagógica na Academia de Amadores de Música, em 1954, foi consequência de um despacho ministerial que anulou a sua autorização para dar aulas em instituições privadas de ensino. Conseguiu, porém, manter a sua ligação com a instituição através da revista Gazeta Musical (1950-1957), fundada por ele juntamente com João José Cochofel, e da edição do Dicionário de Música (1954-8), empresa iniciada a partir do projeto de um dos seus professores, o então já falecido Tomás Borba, e através da direção musical do mencionado Coro da Academia de Amadores de Música, que teve nestes anos um dos seus períodos de mais intensa atividade. O dicionário foi editado pela Editorial Cosmos e durante estes anos foi a principal fonte de ingressos do compositor. O seu encontro com Michel Giacometti data de fins da década de 50, quando após um primeiro encontro pessoal ambos deram início a um trabalho conjunto que se manteve durante décadas. O primeiro fruto desta colaboração nasceu em 1960, ano em que foi editado o primeiro volume discográfico da coleção “Antologia da Música Regional Portuguesa”, dedicado à região de Trás-os-Montes. Ambos, em 1981, editaram no Círculo de Leitores o Cancioneiro Popular Português.

Primeira página da partitura autografa "Suite Rústica N.º 1" de Fernando Lopes-Graça (© Câmara Municipal de Cascais / Museu da Música Portuguesa / Fundo Fernando Lopes-Graça)

O desenvolvimento posterior da obra musical de Lopes-Graça tem permitido definir uma terceira fase iniciada na segunda metade da década de cinquenta, e marcada por obras como o ciclo vocal As mãos e os frutos (1959), sobre poemas de Eugénio de Andrade, o Canto de Amor e de Morte, quinteto com piano composto em 1961, e a Sonata para piano nº 5, escrita em 1977. Estas duas obras contam-se entre a produção mais intensa e exigente em termos formais e expressivos do compositor, evidenciando uma nova orientação no seu estilo. Embora nunca chegasse a abandonar completamente as referências explícitas à canção tradicional no seu catálogo, nestes anos, o compositor passou a explorar de maneira intensiva o ritmo e a harmonia, sendo o trabalho sobre este parâmetro baseado na utilização de um número muito reduzido de relações intervalares, em estruturas mais elaboradas. Esta é também a época do Concerto da camera col violoncelo obbligato, encomenda de Mstislav Rostropovich que o interpretou em primeira audição num concerto em Moscovo, e do Quarteto de cordas nº 1, vencedor do prémio de composição Rainier III de Mónaco em 1965. Nesse ano foram gravadas pela primeira vez obras sinfónicas da sua autoria interpretadas pela Orquestra do Porto sob a regência de Silva Pereira, que tinha dirigido no ano anterior um concerto inteiramente preenchido com composições para orquestra de Lopes-Graça, promovido pela delegação portuense da Juventude Musical Portuguesa.

O fim do Estado Novo traduziu-se no reconhecimento oficial da importância de Lopes-Graça para a cultura portuguesa através de diversas homenagens e encomendas estatais. No que diz respeito à divulgação da sua obra, devemos referir a reedição, ao longo das décadas de 70 e de 80, dos seus livros numa coleção da Editorial Caminho e a gravação em disco de um considerável número de obras da sua autoria, editadas pela etiqueta discográfica PortugalSom, então dependente da Secretaria de Estado da Cultura. Os anos transcorridos desde 1974 até ao seu falecimento foram para Lopes-Graça criativamente muito férteis. São prova disso as duas sonatas para piano e um quarteto, o impressionante Requiem para as vítimas do fascismo em Portugal (1979) e as Sete predicações de “Os Lusíadas” (1980), o bailado Dançares, uma sinfonia para orquestra de formação clássica, numerosas canções, composições instrumentais mais breves e peças de circunstância. Da sua última produção para voz e piano, destacam-se os Dez Novos Sonetos de Camões, Aquela nuvem e outras (sobre poemas infantis de Eugénio de Andrade) e canções sobre textos de Fernando Pessoa e de José Saramago. Se o expressivo Requiem sintetiza a vertente mais dramática do seu catálogo, surgiram neste período outras composições com características novas. Lopes-Graça cultivou a partir dos anos 80 uma espécie de neoclassicismo revisitado para formações instrumentais que nunca tinham feito parte do seu catálogo. Na realidade, essa ideia de neoclassicismo relaciona-se ao longo de toda a sua obra com uma interessante reflexão sobre a de tradição, que se evidencia no recurso e manipulação constante de citações musicais. Sonata nº 6, a Sinfonietta homenagem a Haydn e Geórgicas são exemplos desta última fase, obras onde também se revela através da paródia o seu peculiar sentido do humor.

Bibliografia sumária:

  • Carvalho, Mário Vieira de Carvalho, O essencial sobre Fernando Lopes-Graça, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1988.
  • Cascudo, Teresa, “À luz do presencismo: uma leitura da Introdução à música moderna (1942), de Fernando Lopes-Graça”, Leituras: Revista da Biblioteca Nacional, 12-13, 2003, pp. 107-124.
  • Uma homenagem a Fernando Lopes-Graça, Porto, Câmara Municipal de Matosinhos/Edições Afrontamento, 1995.
  • Vértice, 444/5 (1981) [número especial dedicado a Fernando Lopes-Graça].

Apontadores:

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